Resumen:
O objetivo geral deste estudo é refletir em torno da categoria social e analítica dos supérfluos do mundo do trabalho na atualidade, quando se observa o amadurecimento das novas tecnologias altamente poupadoras de força de trabalho desenvolvidas pela 4ª revolução industrial. Como objetivo específico, buscamos analisar o crescimento dos supérfluos, atualmente, no Brasil, a partir de dados da série histórica da PNADC/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-Contínua/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Determinada pela lei do valor, a quantidade de supérfluos cresce na razão direta do desenvolvimento das forças produtivas e do progresso da acumulação (MARX, 1984). Portanto, a relação entre a quantidade dos que são considerados necessários à produção e a quantidade dos que são considerados desnecessários, varia historicamente. Desde a acumulação originária e, posteriormente, nos anos críticos do primeiro desemprego tecnológico criado pela emergência da 1ª Revolução Industrial e, principalmente, um século depois, com a 2ª Revolução Industrial, as periferias colonizadas foram utilizadas como depósitos de supérfluos gerados pelos países europeus (BAUMAN, 2005). Ao longo da segunda metade do século XIX, na época em que nascia a 2ª Revolução Industrial, a Europa descartou milhões de supérfluos que vieram aportar nas Américas. Para recebê-los, as nações periféricas que se beneficiavam do trabalho escravizado de não-brancos, foram pressionadas, antes por razões econômicas do que humanitárias, a realizar a transição para o trabalho livre. À imensa maioria dos não-brancos coube, desde então, o lugar e a função de supérfluos na estrutura do trabalho produtor de mais valor. Não só na América mas, em todo o planeta, os movimentos permanentes de expansão do capitalismo criaram, em quantidades cada vez mais crescentes, “uma massa racializada de supérfluos” (McINTYRE:2011) que, atualmente, pode ser analisada como resultado do novo pico de aumento da produtividade do trabalho, impulsionado pela 4ª revolução industrial. E, como podemos dimensionar a quantidade de supérfluos que o Brasil apresenta na atualidade? A partir de 2012, a PNADC passou a classificar como “ocupados”, a totalidade dos trabalhadores formais somados à totalidade dos informais. Foram considerados formais, os assalariados dos setores público e privado, que têm carteira assinada. No mercado informal, passou-se a considerar os ocupados sem carteira de trabalho, os ocupados por conta própria sem CNPJ, os empregadores sem CNPJ, os diaristas e mensalistas sem vínculo formal e as pessoas que desenvolvem atividades produtivas sem receber remuneração.Conforme a PNADC, a População Economicamente Ativa (PEA), é formada pela reunião dos “ocupados” e dos “desocupados”. São considerados ocupados os que exercem alguma ocupação, seja no mercado formal ou informal e são considerados desocupados os que não exercem qualquer ocupação, seja no mercado formal ou informal, mas, permanecem fazendo esforços a procura de ocupação. Assim, o percentual “dos que não trabalham, mas, estão procurando trabalho” é classificado, pela PNADC, como força de trabalho ativa e, portanto, relativamente funcional ao sistema de produção. Para os fins deste trabalho, consideramos que, os assim denominados, “desocupados” constituem aquele corpo de indivíduos supérfluos à produção, mas que ainda são competitivos e, portanto, capazes de disputar, entre si, as vagas rotativas e as eventuais novas vagas que surgirem, seja no âmbito formal ou informal. Este grupo de excedentes do mundo do trabalho encontra-se próximo daquilo que poderíamos denominar, ainda hoje, de relativamente supérfluos ou exército de reserva. São, neste sentido, a camada dos supérfluos que ainda guarda certa funcionalidade para o sistema de produção, ao contrário do grupo que o IBGE classificou de “desalentados”, que são aqueles que desistiram de procurar trabalho e integram o contingente dos inativos. Os assim denominados, pela PNADC, de “inativos” ou “fora da força de trabalho” – nem trabalham, nem procuram trabalho - podem ser considerados como o contingente dos definitivamente supérfluos. Tudo indica que eles foram definitivamente desativados do processo de produção de mercadorias. Estes, já não podem ser considerados úteis sequer como reserva de força de trabalho. O contingente massivo de inativos não desempenha mais qualquer função no mundo do trabalho. Ao contrário da taxa de desocupação, o quantitativo dos inativos é, em geral, subnotificado pelos canais tradicionais de divulgação dos dados da PNADC – inclusive por vários canais de informação do próprio IBGE. O que, primeiro, aparece estampado nas manchetes são as “taxas de desocupação”, as quais dizem respeito, apenas, aos supérfluos funcionais - não trabalham, mas, procuram trabalho. A taxa de desocupação – também denominada de taxa de desemprego - não revela a totalidade dos que não trabalham, pois, não inclui o elevado percentual de supérfluos definitivos: os que nem trabalham e nem procuram trabalho. São os definitivamente supérfluos. Estes tendem a compor a orla dos miseráveis que não encontra mais condições “de viver do seu trabalho” e adquirir, no mercado, os meios de viver. Trata-se da parcela que fica sem “fundos de subsistência” (MARX, 1984: 209). A análise da série histórica da PNADC (2012-2020) indica um quadro de multiplicação descontrolada da camada de supérfluos que, velozmente, tende a ultrapassar a camada de trabalhadores necessários ao sistema de produção de mercadorias. Os dados indicam que, atualmente, não há lugar, nem mesmo na economia informal, para mais da metade da população brasileira em idade de trabalhar. Não surpreende, pois, que a maioria dos trabalhadores resgatados, pelos órgãos oficiais de fiscalização, retorne ao trabalho análogo à escravidão por falta de alternativas de sobrevivência. Neste cenário de agudas desigualdades sociais, raciais e territoriais, os moradores das favelas e periferias urbanas encontram-se no limite da sobrevivência: definitivamente sem empregos, sem proteção do Estado e, tendencialmente, sem meios de viver.