Resumen:
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), infecção ocasionada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), enquanto questão complexa de saúde pública mundial, é marcada por transformações, preconceitos, contradições e tensionamentos sociais em seu enfrentamento. Em tempos de ofensiva do capital, são observadas a adoção de estratégias que beneficiam os investimentos na política macroeconômica, com incursões nefastas na esfera do direito e nas políticas sociais. No caso brasileiro, esse cenário tem conformado tendências para a política de saúde que destoam dos princípios e diretrizes constitucionais, com reflexos nas respostas contra o vírus e nas medidas de controle da enfermidade através de inclinações que focaliza os recursos nas intervenções biomédicas, retira investimentos nas ações preventivas e desmobiliza as atividades desenvolvidas pela sociedade civil. Diante disso, esta investigação teve como objeto de estudo a população que vive com HIV e AIDS em uma capital no nordeste brasileiro no período de 2016 a 2020. O objetivo geral foi analisar a ocorrência da infecção ao HIV e os diagnósticos de AIDS no munícipio de Aracaju/SE, a partir de dados da Secretaria do Estado da Saúde (SES). Como objetivos específicos, foram definidos: 1) Caracterizar os aspectos sociodemográficos (escolaridade, sexo declarado ao nascer, faixa etária e o quesito raça/cor) das pessoas com HIV e dos indivíduos diagnosticados com AIDS; 2) Averiguar as formas de transmissão; 3) Identificar os casos de gestantes com HIV e AIDS; 4) Verificar os registros de HIV e AIDS por ano de diagnóstico e casos de óbitos. Ao desvelar a realidade deste segmento populacional, esta pesquisa trouxe para o debate elementos importantes que possibilitam refletir sobre essas mudanças em âmbito nacional e local, sempre em articulação entre contexto, realidade e os sujeitos. No que toca aos aspectos metodológicos, tratou-se de um estudo de caráter exploratório com abordagem qualitativa-quantitativa e análise a partir do método materialista histórico-dialético. Além de utilizar as pesquisas bibliográfica e documental. Constatou-se a ocorrência de 1073 casos de HIV na capital aracajuana, com predominância nos seguintes indicadores: 76,0% em homens e 24,0% mulheres; faixa etária de 20 a 34 anos (58,1%); negros (79,2%); ensino médio completo (30,5%); heterossexuais (43,9%) faz uso de drogas injetáveis (0,3%); residentes na zona urbana (97,5%); gestantes (4,7%) e o percentual de óbitos foi de 1,3%. Quanto à AIDS, verificou-se um total de 691 casos, com prevalência entre os : homens (78,1%); de 20 a 34 anos (42,4%); negras (85,0% );ensino médio completo (25,0%); heterossexuais (51,8%); usam drogas injetáveis (1,0%); moram na área urbana (97,6%); gestantes (1,0%) óbitos (12,9%). Chamou atenção o fato que, mesmo considerado o momento atípico provocado pela pandemia de COVID/19, em 2020 houve tênues declínio na maioria dos indicadores, inclusive nos registros de HIV e AIDS por ano diagnóstico, os quais,podem estar relacionados às medidas de isolamento social. Ainda que apresente singularidades, os resultados desta investigação coadunam com o pesquisa realizadas no país, especialmente quando se constata que na realidade aracajuana a população negra é mais atingida por óbitos decorrentes da AIDS (12,9%), especificamente os homens negros, entre 20 a 24 anos. Para além disso, identificou-se outra convergência dos achados neste estudo com o cenário nacional, já que na capital aracajuana também foram percebidas tendências de crescimento dos casos por ano diagnósticos e óbitos em idosos, denominado pela literatura especializada como envelhecimento da epidemia, o que demostra a magnitude dessa epidemia e expõe a necessidade de fortalecimento da rede de cuidado das pessoas infectadas, ampliando as abordagens e respostas no manejo ao vírus. Esses aspectos indicam que frente às novas formas como tem se dado os relacionamentos entre as pessoas, mediatizadas pelas tecnologias de informação e comunicação através de aplicativos de encontros, é provável que essa nova tendência epidemiológica, somada às novas formas como tem ocorrido as relações entre as pessoas e gerações, possam resultar em menor adesão as práticas preventivas ao HIV, desconhecimento da condição sorológica e aumento das possibilidades de relações sexuais desprotegidas. É importante ressaltar que a tendência de transmissão via heterossexual vem crescendo no país, com constante oscilação com a exposição homo/bissexual nos últimos anos. Destarte, ao evidenciar a predominância em via transmissão heterossexual na realidade aracajuana, espera-se que as análises busquem captar as imbricações que envolvem essa situação, cujas raízes remetem a questões estruturais das relações sociais forjadas na sociedade capitalista, as quais tem bases ideológicas e culturais alimentadas pelo patriarcalismo, heterossexismo e o racismo. Afinal, esse ambiente, de certo modo, expõe a faceta conservadora e moralizante que caracterizaram os momentos iniciais da AIDS, e que hodiernamente se manifesta na sorofobia, através do preconceito e estigma, a qual tende associar a suscetibilidade à infecção pelo HIV restrita a grupos específicos, dentre os quais os homossexuais. Nesse sentido, percebeu-se que a análise da epidemia de HIV/AIDS atravessa questões estruturantes da sociedade, sejam as desigualdades de classe, gênero, raça/etnia, fatores de ordem cultural, preconceitos, etc., o que permite afirmar que, embora essa infecção atinge a todos indistintamente, considera-se que há determinantes sociais em saúde que acentuam a vulnerabilidade dos grupos mais pauperizados (jovens, mulheres e negros). Releva-se, portanto, que a epidemia situa- se numa trama de bases concretas históricas que não devem ser descoladas das bases sociais, econômicas e políticas estruturantes do
modis operandis capitalista. Em face do exposto, fica evidente o quão complexa e multifacetada é a natureza dessa epidemia, o que demanda novas pesquisas que explorem nuances da temática, sob o prisma de contribuir para a defesa dos direitos, melhoria da rede de assistência às pessoas infectadas, elaboração de intervenções numa perspectiva ampliada de saúde e suscitar reflexões dos profissionais que lidam com esses sujeitos.