Resumen:
Invariavelmente, a questão ambiental no Brasil tem recebido destaque nas notícias veiculadas pela mídia nacional e internacional devido à forma como o capital tem promovido a degradação do meio ambiente, principalmente a partir do agronegócio, tendo como consequências imediatas o desmatamento desenfreado e ilegal, a devastação de biomas, a usurpação das terras indígenas e dos povos quilombolas, além das diversas mortes provocadas pelos conflitos de terras, nos quais impera a impunidade. Sobressai também a forma como o Estado brasileiro tem respondido aos interesses do capital, negligenciando as ações de combate aos crimes contra o meio ambiente. Os danos ambientais e humanos se tornam cada vez mais irreversíveis, evidenciando o abismo social engendrado pela concentração de capital. Nesta perspectiva, os mais pobres são atingidos brutalmente pela falta de recursos que assegurem sua sobrevivência, incluindo o direito à alimentação. Assim, este estudo tem como objeto a correlação entre capitalismo, questão ambiental e insegurança alimentar no Brasil, tendo em vista o papel que o agronegócio tem ocupado na economia nacional. O objetivo reside em examinar as conexões entre os fundamentos históricos que promoveram o desenvolvimento do capitalismo no país direcionado para um modelo econômico agroexportador e, consequentemente, as desigualdades sociais em decorrência da concentração de capital operada por tal modelo, com ênfase na insegurança alimentar. Através de pesquisa bibliográfica, nos debruçamos inicialmente sobre os estudos de autores de tradição marxista que se ocuparam em estabelecer a correlação entre capitalismo e meio ambiente, com destaque para Löwy (2014) e Saito (2021). Do estudo de suas obras, sobressai a compreensão de Marx sobre o metabolismo social a partir da relação entre os processos de trabalho, produção e uso da terra. No capitalismo, o metabolismo social resulta da passagem das mercadorias de um produtor ao outro, permeado pelo trabalho humano, que é a forma de o ser humano se relacionar com a natureza (Marx, 2017a). O uso da terra se inscreve nessas relações metabólicas. Segundo Marx (2017a), a grande propriedade do solo diminui a população que nela reside e trabalha, uma vez que seu uso não é mais em pequenas escalas individuais, empurrando para o ambiente urbano e industrial a população outrora rural, que já não irá mais produzir para si. Assim, ocorre o que Marx (2017a) sinalizou como uma ruptura irremediável no metabolismo social, da qual decorre o desperdício da força da terra, com a agricultura de larga escala. Nesse sentido, buscamos um recorte que possibilitasse compreender o desenvolvimento do capitalismo no Brasil em sua relação com os processos de trabalho, produção e uso da terra. Não se pode ignorar o fato de que, no Brasil, o desempenho do agronegócio no setor econômico tem suas raízes históricas muito bem consolidadas pela via da conservação do latifúndio. Constituindo-se como um território vasto, o latifúndio tornou-se o padrão produtivo da economia brasileira no primeiro período republicano (1889-1929). Essa forma econômico-social, característica do sistema colonial no qual as terras foram divididas em sesmarias, seguiu seu curso histórico no desenvolvimento capitalista brasileiro, permanecendo intacta e garantindo a posição subalterna que o país passou a ocupar na divisão internacional do trabalho, conferindo-lhe o status de “atraso”. Para Santos (2012), a predominância do modelo agroexportador, centralizado na monocultura, potencializou a estrutura fundiária, que, posteriormente, veio a ser reconhecida como agroindústria e agronegócio. Nos últimos 5 anos, a expansão acentuada do agronegócio no Brasil contribuiu para elevar os patamares de acumulação de capital que, na perspectiva de Foster (2015), envolve todos os rendimentos possíveis de matéria e energia, independente das necessidades humanas e dos limites naturais. Marx (2017b), ao esquadrinhar as relações sociais de produção capitalista, revelou que quanto maior a acumulação de riqueza, maior será o exército industrial de reserva e maior serão as camadas mais flageladas da classe trabalhadora, aumentando, consequentemente, os níveis de pobreza. Na lógica do capital, o agronegócio tem ocupado um lugar importante para a economia brasileira, tendo como carro-chefe do setor os negócios relacionados à agropecuária. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de carne bovina e o primeiro em exportação mundial, com a China representando o principal mercado consumidor (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, 2021). Em contrapartida, a produção de carne bovina tem sido a maior responsável pela emissão de gases poluentes que aceleram o aquecimento global, como o gás metano. No Brasil, grande parte da carne bovina é produzida em regime de pastagens, cuja área total é de cerca de 161 milhões de hectares, correspondente a 18,94% do território brasileiro, de acordo com os dados mais recentes do Atlas das Pastagens (Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás, 2022). Em 2021, o país foi responsável pela produção de, aproximadamente, 10 milhões de toneladas de carne bovina, sendo 7 milhões de toneladas destinadas ao mercado interno, conforme números divulgados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2021). No entanto, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (2021), o consumo de carne no Brasil apresentou queda no ano de 2021, com um volume de 26,5 quilos por habitante, o que representa aproximadamente 5,3 milhões de toneladas. No mesmo ano, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (2021) divulgou que 116.842.556 brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar, o que corresponde a 55,1% da população total do país. Esse quadro demonstra as condições objetivas de sobrevivência da população frente à acumulação de capital, que foram agravadas pela ausência de medidas estatais para a redução dos impactos causados pela pandemia da Covid-19. Notícias sobre as filas e as disputas da população para conseguir ossos em açougues e até mesmo em caminhões de lixo também ganharam destaque na mídia nacional e internacional. Ao mesmo tempo em que essas notícias eram veiculadas, o Estado brasileiro, representado pelo Governo Bolsonaro, seguia enaltecendo o agronegócio, ao estilo midiático: “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”. A tragédia brasileira sinaliza a urgência e o desafio de construir estratégias coletivas ambientais, anticapitalistas, que possam ser incorporadas no conjunto das lutas da classe trabalhadora.