Resumen:
O trabalho apresenta resultado de pesquisa teórica sobre os determinantes sociais da pandemia da Covid 19 e de levantamento de indicadores sociais sobre os desdobramentos dela na
questão social latino-americana. A diretriz investigativa foi a de entender a emergência sanitária no âmbito da crítica da economia política, e não, meramente, como um evento biológico. Nesse sentido, trata-se de uma interpretação crítica dos determinantes sociometabólicos da pandemia na estrutura social capitalista e uma contribuição aos estudos do Serviço Social e das Ciências Sociais, nesse dramático cenário social. O mundo amarga hoje o registro de 529 milhões de casos da doença e 6,29 milhões de mortes, sendo que 20 países concentram 73% dos contaminados e 66% das mortes. Entre esses países com a situação mais severa encontramos o Brasil, como segundo país em média de óbitos, com uma taxa de letalidade de 2,2% contra 1,1% da maioria do grupo mencionado. Na América do Sul, a Colômbia segue com 2,3% de letalidade e a Argentina com 1,4%. No conjunto da América Latina e do Caribe, até o momento, 69 milhões de pessoas foram acometidas pela infecção e 1.688.000 morreram. Esses dados descritivos sinalizam alguns aspectos dos efeitos da pandemia sobre a vida humana na região, expressando a perversidade de uma emergência sanitária desse porte. Seguindo esse alarmante quadro da concreticidade, o texto relaciona o processo saúde-doença desse adoecimento e da contaminação pelos agentes etiológicos às contradições da reprodução social no capitalismo. Situa, a partir de Marx, que a sociedade mediada pelo valor alarga o alcance da mercadorização, sustentada na estrutura social da exploração e da expropriação do trabalhador, que viabiliza a reprodução ampliada de capital. Esse fundamento imanente se desdobra, nos últimos quarenta anos, na densa precarização do trabalho, no ampliado desemprego estrutural e no pauperismo, como efeitos inerentes à hiper austeridade neoliberal, que já estava em curso. Mas, também tendo como condicionante-associado a particular estrutura do capitalismo dependente, nos termos de Florestan Fernandes, Ruy Mauro Marini, Cláudio Katz e Plínio de Arruda Sampaio Jr, para a América Latina. A partir da interface desses dois campos reflexivos, evidenciamos que a pandemia não pode ser considerada como deflagradora da crise capitalista pelas medidas de desaceleração da dinâmica produtiva e de circulação, como tematizam agências multilaterais como a CEPAL. Ainda que ela seja um ingrediente importante nesse universo social, a crise do capital já estava instalada como parte das contradições estruturais do capitalismo e da insuficiência das respostas neoliberais, para fazer frente à queda sistêmica da taxa de lucros. O estudo da crise com István Mészáros, François Chesnais, Michael Roberts e Eleutério Prado, de diferentes prismas, fundamentou nossa compreensão teórica e nos colocou com condições de enfrentar o debate sobre a dinâmica destrutiva do capitalismo, com a pandemia como uma de suas expressões peculiares. Essa percepção exige contrapor a tendência da narrativa liberal no sentido de dissuadir que os impasses econômicos decorrem de fatores externos ao livre mercado e ao processo produtivo, e, que as causas das crises são alheias à própria dinâmica desse modo de produção. A pesquisa pôde cotejar os estudos dos últimos episódios de crise e identificar os argumentos liberais sobre eles, como aquele conhecido como
ponto.com, em 2000, e o evento da quebra financeira do
subprime de 2008, verificando que, em geral, as razões sugeridas pelos liberais resumem-se às interferências na livre circulação, por meio de fatores externos ao movimento das mercadorias, incluindo as próprias regulações sociais a essa liberdade. Para rechaçar essa tese de externalidade do coronavírus apresentamos a reflexão sobre dois momentos distintos da crise capitalista: antes da pandemia e no período da pandemia, comparando indicadores sociais do ano de 2019 e do ano de 2022. Assim, apreendemos a crise estrutural do capital como uma dinâmica da sociabilidade capitalista das últimas quatro décadas do capitalismo tardio (Ernest Mandel) e que a crise provocada pela pandemia se caracteriza como um evento sintomático e não a causa dos limites à realização do valor e aos indicadores sociais alarmantes do trabalho e do empobrecimento que apresentamos sobre o Brasil e outras regiões da América Latina, a partir das fontes documentais do IBGE (Brasil), da CEPAL e da OIT. A flexibilização do trabalho e o aprofundamento da precarização laboral são dinâmicas anteriores à pandemia e ao mesmo tempo resultam também das ações de mitigação do poder público para a queda da dinâmica econômica, em razão das ações preventivas e de controle da contaminação recomendadas pela OMS, desde 2020. Acentuamos no texto, no entanto, que o modo de vida capitalista é provocador de adoecimentos de rápida disseminação porque não tolera limites à reprodução ampliada de capital e exige mobilidade em grande escala geográfica. Essa dinâmica ascendente expressa a lógica interna da acumulação sem fim, por valor, e nesse metabolismo os problemas de circulação são resultados da exigência de exploração do trabalho (mais-valor); mais trabalho para sustentar o sistema em dinâmica lucrativa, mais riqueza para a circulação e maior aparato para fazer fluir essa riqueza. Nesse diapasão, a investigação verificou que não é uma página em branco nos anais da história os adoecimentos infecciosos de rápida disseminação, inclusive, alguns com ciclos repetidos, de modo que o episódio de alerta sanitário global dessa segunda década do século XXI não é algo desconhecido. Numa perspectiva crítica, o texto focaliza que a expansão desenfreada do modo de produção capitalista - que afeta o meio ambiente e faz surgir desequilíbrios ecológicos, como a pandemia do Coronavírus, e epidemias como a gripe aviária (1997) e Ebola (1976) – engendra e aguça as contradições do modo de produção capitalista, no movimento incessante de ganho. O contexto de crise, no entanto, amplifica o crescimento dos riscos sobre as propriedades do capital, o que aprofunda episódios não controláveis como esse e os efeitos nefastos sobre a sociedade, trazendo à luz os dilemas das determinações da economia sobre a questão ambiental e as condições de vida. A expectativa na divulgação do estudo é colaborar com o debate estratégico de que não há futuro possível, para a humanidade e a natureza, no capitalismo.