Resumen:
A atitude do Estado frente aos consumidores de drogas “
moderados e imoderados” parte das transformações vivenciadas pelas reações puritanas norte – americana, onde um conjunto de posições morais se voltam a determinados grupos sociais, contendo estes; classe social, religião ou raça. Cada segmento marginalizado da sociedade, é vinculado a determinada substância psicoativa, tendo “coincidentemente” a característica de possuírem uma “
inferioridade tanto moral como econômica” (ESCOHOTADO,2004). Como os processos históricos já esclarecem que sempre há na construção da sociabilidade a necessidade de exclusão por parte do ordenamento econômico das nações, não bastaria apenas este fundamento puritano para expressar esse movimento contraditório que o Estado assume frente às drogas. Também a influência se dá pelas mudanças que desconstroem os ideais liberais, concomitantemente intensificando a burocratização das relações sociais e Estado, para novamente justificar as transformações da relação capital e trabalho. Aliado, segundo Escohotado (2004) ao esgotamento terapêutico que foi assumido pelos eclesiásticos em outros tempos e agora (no final do século XIX) será entregue ao campo da medicina1. Em consonância com os preceitos puritanos, a venda e o consumo de substâncias que antes se encontravam dispostas aos consumidores em prateleiras de farmácias, passa a ser intolerado e regido por legislações que consonavam com o seguinte pensamento:
“quem mata o corpo de um homem é um anjo comparado com quem destrói a alma de outro” (ESCOHOTADO,2004). A legislação que funda a proibição à venda de álcool – Lei Seca vigora na América do Norte a partir de 1920 embricado na ideia da construção de uma nova nação -
“todos os homens voltarão a caminhar de cabeça erguida, sorrirão todas as mulheres e rirão todas as crianças. Fecharam – se as portas do inferno”2 (ESCOHOTADO, 2004). Todavia, a punição do comportamento, “
convinha a uma gente para qual a religião e a lei eram quase a mesma coisa” (HAWTHORNE,1850).Carneiro (2018) esclarece, que a história das drogas se funda juntamente com a história de sua criminalização, contemplando a partir do momento onde passam a ser reguladas pelos mecanismos do Estado instituindo
representações culturais e políticas de repressão, incitação ou tolerância. Ou seja, os limites que são colocados às paixões, aos hábitos, aos vícios esta intrinsecamente ligado a determinado contexto histórico e a sociabilidade que o reproduz conforme sua necessidade de organização. Trilhar este caminho da moral junto a legalidade da ilegalidade das drogas se fundamenta na crítica cuja qual o movimento da sociabilidade ocorre através (mas não somente) pela correlação das forças presentes em dada conjuntura. Não se limita e não pode ser observado apenas como a repressão do Estado frente aos consumidores de drogas . Ao contrário, é fundamentado na contrariedade das relações sociais onde as classes sociais hegemonicamente influenciam o controle social. A verdade é que a ideologia proibicionista inaugurada pela cultura moralista estadunidense, não deixou espaço para a moderação – o excesso da proibição foi deixando marcas da necessidade da abstinência, acarretando em um
modus oporandi que apenas excluía segmentos e grupos sociais, privando – os de seus direitos e os criminalizando como meio para objetivar um fim utópico. Um “mundo sem drogas”, que desconsiderava a relação milenar dos sujeitos com as substâncias.A sobriedade contínua da existência é equiparada à defesa do juízo moral. Independentemente do efeito, o que realmente se trata é da condenação da indulgência para consigo próprio. Essa severidade puritana foi o traço característico da relação com o corpo ao longo da era cristã. A renúncia total, a abstinência completa, o jejum eterno dos psicofármacos, a castidade completa dos orgasmos químicos é a norma proibicionista que decorre da arcaica condenação do fruto proibido, inscrito na cultura como emblema do limite da interdição (CARNEIRO, 2008;p.291).“
O admirável mundo novo3” inaugurado pelo fordismo, não apenas no âmbito da fábrica, mas se estendendo a vida privada dos indivíduos (os trabalhadores ideais - na concepção de Henry Ford) ultrapassa os limites das escolhas individuais dos sujeitos de poderem por meio de sua liberdade conduzirem seus hábitos fora das fábricas, vinculando o proibicionismo ao projeto industrial fordista. Escohotado (2004) já esclarecia que a forma como a norma se organiza no início do século XX pauta – se principalmente pelo “cerco jurídico – moral” ao retirar do sujeito a autonomia sobre as decisões a respeito das substâncias que alteram o “juízo, o comportamento, percepção ou estado de ânimo”. Para tanto, é necessário ao campo do direito
“aprisionar os corpos que tenham espíritos rebeldes ou farmacologicamente dissidentes, ou seja, a fórmula se baseia
em reprimir a dissidência política e religiosa (grifos nossos,CARNEIRO,2018).As ideias hegemonicamente dominantes sobre as drogas são portanto, construções que se baseiam em campanhas de grupos moralistas, associadas ao eugenismo; ao racismo; a violação de corpos de sujeitos cujo quais há necessidade de enquadramento aos ditames do capital e sua exploração de raça, classe, gênero, etnia. A campanha baseada na suposta “ciência sobre as drogas” desconsidera a vinculo intrínseco das substâncias psicoativas na história da humanidade. Lançando ao campo da medicina (mas especificamente da neurociência, genética e epidemiologia)como único capaz de desvendar e tratar os sujeitos consumidores de drogas e sua “dependência”. David Courtwignt afirmou que ‘confinar o uso de drogas à medicina é o objetivo central da política internacional de drogas do século XX. A medicina, sancionada pelo Estado, se arroga assim o direito de determinar como ‘quem deve tomar as decisões sobre quando devem ser usadas, por quem e por meio de quem’ (CARNEIRO,2018;p.391).Há pensadores que explicaram o vinculo estreito entre determinadas substâncias e a forma como a sociedade lida com tais consumos por base na criação mitológica em torno das mesmas. Ao passo que a cultura humana (que desde sempre tende a fazer este movimento de busca por respostas com base na metafísica) associou ao longo de sua ordem ao - “fruto proibido do Éden e na punição ao seu consumo”. As drogas são vistas como “bodes expiatórios, na qual a humanidade e a própria divindade recebem esta condição sacrificial na sua gênese constitutiva” (CARNEIRO, 2018).