O presente artigo se propõe a apresentar o trabalho desenvolvido pela Política de Prevenção Social à Criminalidade na cidade brasileira de Montes Claros, localizada no Estado de Minas Gerais, a fim de evidenciar estratégias desenvolvidas para a continuidade dos processos de intervenção direta em fatores sociais relacionados à violência e à criminalidade, mesmo diante dos desafios atrelados à pandemia de Covid-19 e da precarização das políticas públicas em tempos de neoliberalismo e contrarreformas do Estado, cujo termo é teorizado por BEHRING & BOSCHETTI (2007) e relaciona-se à supressão dos direitos e garantias sociais.Através de levantamento bibliográfico, serão expostos aspectos teóricos pertinentes à criação, desenvolvimento e atuação da Política de Prevenção Social à Criminalidade em Minas Gerais, de forma geral, e no município de Montes Claros, através das unidades de base local e territorial. Também foram considerados dados divulgados entre 2020 e 2022 nas plataformas digitais da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais e do Departamento Penitenciário de Minas Gerais para considerar os desafios durante a pandemia da Covid-19.A violência é dos maiores problemas enfrentados pelo poder público brasileiro. Apesar de manifestar-se de várias formas, essa expressão da questão social requer análises e diagnósticos baseados em dados e evidências empíricas para que ações preventivas possam ser elaboradas, aplicadas e se tornarem efetivas, a fim de proteger a vida das pessoas e promover maior sensação de segurança na sociedade. Dados do Atlas da Violência mostram que no ano de 2019 ocorreram mais de 45 mil mortes por homicídio no Brasil, sendo mais de 17 mil envolvendo jovens por arma de fogo. Os homens também estão majoritariamente envolvidos, sejam como vítimas ou praticantes de violências, quando comparado às mulheres no recorte de sexo biológico. A violência também pode repercutir na privação da vida em liberdade. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2021), há mais de 700 mil pessoas presas ou em monitoramento eletrônico no Brasil. São pessoas acusadas da prática de crimes e que aguardam julgamento, os denominados presos provisórios; pessoas que já possuem condenação e cumprem penas privativas de liberdade; que estão em regime semiaberto ou semiaberto; ou aqueles que cumprem medida de segurança ou tratamento ambulatorial. Mesmo após o cumprimento integral do tempo de suas penas, muitas dessas pessoas revivem cotidianamente a experiência da passagem pelo sistema prisional em razão do preconceito social, pois “o rótulo do condenado passa a integrar o seu corpo, a sua mente e o seu cadastro oficial, de forma a perpetuar a pena para além dos muros e grades do sistema prisional” (SOUZA, 2013). A passagem pelo sistema prisional relega ao sujeito social um estigma de subcategoria que dificulta ou até mesmo inviabiliza o processo de inclusão social e de retomada da vida em sociedade.O Estado de Minas Gerais, que em 2019 registrou 2.893 homicídios, desenvolve e operacionaliza desde o início da década de 2000 a Política de Prevenção à Criminalidade, que tem por objetivo geral “contribuir para prevenção e redução de violências e criminalidades incidentes sobre determinados territórios e grupos mais vulneráveis a esses fenômenos e para o aumento da sensação de segurança” (MINAS GERAIS, 2021, p. 07). Tal iniciativa advém da compreensão de que é possível realizar o enfrentamento de violências e criminalidades a partir de estratégias e ações do poder público, com a participação da sociedade civil e entidades parceiras, de modo a intervir sobre dinâmicas sociais geradoras de conflito, violências e processos de criminalização. São seis os programas que compõem a Política de Prevenção Social à Criminalidade em Minas Gerais, sendo eles: Programa Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa), Programa de Controle de Homicídios (Fica Vivo!), Programa Mediação de Conflitos (PMC), Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), Programa Se Liga e Programa Selo Prevenção Minas, sendo que na cidade de Montes Claros atualmente existem implementados os quatro primeiros mencionados, cujas ações serão foco de reflexões deste estudo.O Fica Vivo! tem como objetivo prevenir e reduzir homicídios entre jovens moradores de territórios com elevados índices de violências; a Ceapa visa contribuir para a responsabilização penal alternativa à prisão a partir do monitoramento e do acompanhamento de alternativas penais e da execução de projetos de caráter reflexivo e pedagógico que possam qualificar a execução penal; o Mediação de Conflitos tem como objetivo construir alternativas pacíficas à resolução de conflitos interpessoais, comunitários ou institucionais, de modo a evitar que estes repercutam em situações de violências e criminalidade e, por fim, o PrEsp busca promover condições de inclusão social de pessoas que tiveram experiência prisional, favorecendo o acesso à direitos e minimizando vulnerabilidades sociais que possam estar ou não relacionadas à processos de criminalização.É sabido que as políticas públicas de proteção social no Brasil, cuja precarização tem se intensificado na contemporaneidade, permanecem como mecanismos relevantes para a redução de vulnerabilidades sociais. A Política de Prevenção à Criminalidade, em Minas Gerais, vem somar à essa atuação, a partir da especificidade da intervenção direta à violências e criminalidades, pois tem como público alvo pessoas que já vivenciaram processos de criminalização.
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A educação no sistema prisional:os limites e potencialidades do trabalho do serviço social em tempos de desresponsabilização do Estado
O avanço teórico-metodológico e ético-político do Serviço Social brasileiro seconstituiu ao final da década de 70. Este processo de renovação punha em prática aruptura - antes findada em sua intenção - que delineava seu horizonte por linhasecléticas no interior do movimento de Reconceituação latinoamericano. O avanço dacategoria, contudo, não admitia fundamentos endógenos. Ele só foi possível nocurso da ascensão que a classe trabalhadora pode alcançar ao constituir uma práxiscrítica e combatente frente ao projeto autocrático burguês, então administrado peloconjunto das forças armadas.O processo de amadurecimento político da classe trabalhadora no Brasil, todavia,se deu num processo internacional de refluxo das lutas sociais, especialmentedaquelas que vislumbravam um projeto de sociedade para além do capital. Aderrota histórica que sofria o socialismo se dava no bojo da crise econômica domodo de produção capitalista. Era o início de uma nova etapa em que se punha emprática as teorias neoliberais como estratégia para contrarrestar a tendênciadecrescente da taxa média de lucro e que refletiu internamente na construção doprojeto societário que os trabalhadores brasileiros erguiam. Este projeto limitou-se aconquistas legais no âmbito da manutenção não apenas do Estado burguês no país,mas de um conjunto de relações sociais vetustas, que se perpetuavam desde oBrasil colônia. O racismo estrutural seguirá como a marca da democratizaçãoinconclusa que, de modo geral, não pode ir além das conquistas legais circunscritasàquelas que conformam a política de seguridade social, sobre o tripé da saúde,previdência e assistência social. Estes avanços, já no campo legal, eramextremamente limitados. Por exemplo, apesar do Art. 205. da Constituição federaldeterminar a educação como ''direito de todos e dever do Estado'', a política deeducação não era incorporada à seguridade social, refletindo um país que nãoadmite uma sociedade que comporte o desenvolvimento intelectual como parte dospressupostos da cidadania.Mesmo assim, a implementação das políticas garantidas na Constituição esbarrouno avanço da flexibilização do trabalho e na política do Estado máximo para ocapital e mínimo para o social. O Estado apesar de admitir obrigações no campo dalei, não materializou na prática seu dever. Essa característica se torna ainda maisevidente quando considerada a parcela sobrante da classe trabalhadora, que seexpandia com as sucessivas reestruturações produtivas que, através da inserção denovas tecnologias na produção, economizavam trabalho vivo . A camada estagnadado exército industrial de reserva, é aquela que será especialmente concebida nãoatravés da proposição do enfrentamento à questão social pela mediação da política,mas através da intervenção da polícia. Para esta população, essencialmente negra,e submetida à luta pela sobrevivência sob os piores indicadores sociais do país, quevai recair o tacão do Estado penal.O Estado de bem estar social, que nunca foi experimentado no Brasil, será aindaassim flexibilizado. E a face coercitiva que marca a trajetó bomria social de um país quetem na sua formação social a violência como base constitutiva assumirá faces cadavez mais severas. Vai se repetir no Brasil a trajetoria atravessada pelos EUA, naqual '' o Estado penal que substitui peca por peca o embrião do Estado social e elemesmo incompleto, incoerente e muitas vezes incompetente, de maneira que naopoderia preencher as expectativas irrealistas que lhe deram origem,nem as funçõessociais que, tacitamente, ele tem a missão de paliar'' (WACQUANT, 2003,p.19 ). Acriminalização da pobreza, como caracteriza o autor de Punir os pobres, agravaainda mais a situação dos segmentos marginalizados pela amálgama entre a classee a etnia num país de capitalismo dependente como o Brasil, que exporta para ospaíses imperialistas o capital acumulado e do trabalho expropriado nas terras ao suldo mundo.Esse quadro criou uma camada cada vez mais extensa de sujeitos livres de direitossobre os quais a ação do Estado vai restringir-se ao silenciamento e paralisaçãoatravés da hipertrofia coercitiva. Essa política de contenção dos segmentosperigosos da classe trabalhadora significou uma expansão intensificada dapopulação encarcerada e sobre ela a regência da barbárie parece desconhecermesmo os avanços limitados da Constituição chamada cidadã.Essa análise traz os parâmetros que norteiam uma pesquisa que hoje está em cursoa partir de uma inserção pioneira do Serviço Social no Sistema prisional do Rio deJaneiro - uma das cidades brasileira em que a questão social assume as formasexplícitas de extermínio da população negra e da política de encarceramento. Oprojeto M.A.E, coordenado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ( UERJ)que hoje insere assistentes sociais nas escolas do estado para intervir na evasãoescolar insere, pela primeira vez, o trabalho do assistente social nas escolas dosistema prisional. O projeto se coloca num contexto em que o ultra neoliberalismo(BEHRING, CISLAGHI, SOUZA, 2017) coloca na ordem do dia adesresponsabilização do Estado frente ao financiamento e execução das políticassociais, trazendo inúmeros desafios aos assistentes sociais, especialmente quandoconsiderado um espaço no qual os sujeitos sociais não detém sequer o direito deserem chamados pelo nome. ‘’Bandido’’, e como são chamados aqueles queencontram-se hoje sob a custódia do Estado, reunindo realidades em que o contatocom a família, o porte de objetos de higiene pessoal, cadernos e canetas lhes éprivado.A proposta que aqui segue pretende compartilhar uma experiência profissional queé construída no complexo penitenciário de Bangu, na Escola Interna GracilianoRamos, considerando os limites e potencialidade da garantia ao acesso aos direitoslegalmente constituídos a uma população que desconhece o status da cidadania.BibliografiaANTUNES, Ricardo. Os sentidos do Trabalho. Ensaio sobre a afirmação enegação do trabalho. São Paulo - SP: Boitempo editorial,2013.CISLAGHI, Juliana/ BEHRING, Elaine / SOUZA, Giselle. Ultraneoliberalismo eBolsonarismo: impactos sobre o orçamento público e a política social. Rio deJeneiro, 2017WACQUANT, Loic, Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos EstadosUnidos. Rio de janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, editora Revan, 2003
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Injusticia predictiva y biocriminología de la niñez a escala local
Injusticia predictiva y biocriminología de la niñez a escala local En un contexto atravesado por la “gubernamentalidad algorítmica” (Rouvrey y Bernes), y en que la sociedad se constituye en torno a un “nuevo pacto securitario”, nos planteamos explorar el campo de la biocriminología actual y examinar el funcionamiento de un programa psicosocial que emana de la Subsecretaria de Prevención del Delito. Este campo se encuentra perfilado por la aparente epidemia de conductas antisociales, agresivas y violentas que en teoría, “se originan en la merma del autocontrol, la racionalidad, la madurez, el juicio, el tacto y el razonamiento” (Rose). Esto implica la implementación de una respuesta institucional que controle a esta plaga de anticiudadanos, que parecen carecer de todas las capacidades de autogobierno constitutivas de la agencia moral civilizada, que combina una doble estrategia: Por una parte, es preciso entender las condiciones que llevan a esa conducta antisocial, con el objetivo de identificar a los individuos con esas propensiones, e intervenir sobre ellos para reducir el riesgo que entrañan para sus familias y comunidades. Por otra, ha de priorizarse la protección del público frente a las amenazas a la salud física y mental que esos individuos y sus acciones representan. En este marco analizaremos el programa Lazos, deteniéndonos en específico en el componente EDT (equipo de detección temprana), y en el instrumento de evaluación que se utiliza denominado ASSET. De acuerdo a las definiciones institucionales, la función de este componente es “oficiar como puerta de entrada” del conjunto de casos que son informados a los Municipios por Carabineros de Chile (convenios 24 horas), de los niños, niñas y adolescentes ingresados a las Comisarías y otras derivaciones de la red de infancia local por infracción de ley o conductas transgresoras (no ingresan quienes hayan cometido delitos graves o crímenes), o bien que, en el marco de una demanda espontánea de la familia y/o institución a cargo, solicitan una evaluación del perfil de riesgo del menor. La finalidad es detectar los perfiles de riesgo socio-delictuales mediante la aplicación de un instrumento de origen británico llamado ASSET, que evalúa factores de riesgo socio-delictual y, en función de los resultados obtenidos, la derivación correspondiente al programa de intervención atingente al nivel de riesgo (bajo, medio y alto).Para llevar a cabo nuestra tarea, desarrollaremos los siguientes pasos:1. En primer lugar, problematizaremos el continuo entre lo policial, lo situacional, lo psicosocial y lo comunitario en las políticas de intervención social de la Subsecretaría de Prevención del Delito, cuestión que conjuga fundamentos científicos, económicos, y políticos.2. En segundo lugar, se interroga la ausencia del enfoque de derechos en las orientaciones técnicas de un programa psicosocial dirigido a la niñez, y como esto va de la mano de la injusticia predictiva. En este plano examinaremos el instrumento ASSET.3. En tercer lugar, se interpelará la hegemonía conceptual y política en las respuestas del Estado dirigidas a la seguridad pública, y su papel en el nuevo pacto securitario que ordena y orienta la sociedad chilena en la actualidad. 4. Por último, se pondrán de relieve algunas reflexiones entre el Trabajo Social, y lo que se denomina una biopolítica crítica del control.
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Satisfacción de las privadas de libertad sobre el programa de educación superior penitenciario.
Satisfacción de las privadas de libertad sobre el programa de educación superior penitenciario.Milka Ruiz de GalásticaNubia ÁvilaRaquel Leguísamo(profesoras - Universidad de Panamá) La educación para la población en el medio penitenciario es una necesidad y es un derecho recogido en las normas y marcos socio-jurídicos internacionales para garantizar la posibilidad de una reducción de los factores de riesgo que conducen a la comisión delictiva; así como para la mejora en la in/reinserción social y laboral de las personas penadas (Serrano, 2017).El acceso a educación en las cárceles es clave, no sólo como elemento de reinserción, resocialización y rehabilitación, sino por ser el ejercicio de un derecho que reduce la situación de vulnerabilidad, debiendo abordarse desde dos perspectivas: la inclusiva, para que las privadas de libertad ingresen a un proceso que les permita alcanzar igualdad; y social, para democratizar conocimientos fomentando la participación ciudadana cuando recuperen la libertad (Durán, 2018). Scarfó (s/f) agrega que la educación contribuye al proceso de integración social y representa en el contexto específico de las cárceles, la herramienta más adecuada para lograr un proceso formativo susceptible de producir cambios en las actitudes.De esta manera, la educación superior en las instituciones carcelarias no solo aporta a los programas de rehabilitación, sino que favorece la integración a la sociedad otorgando un nivel educativo mayor con el que entraron a las cárceles, y a la reducción de las causas que motivaron a cometer los delitos. Estos estudios han demostrado como principales necesidades de la educación universitaria en prisión: la obligación de modernizar las herramientas didácticas, y diseñar estrategias para incorporar el internet y las nuevas tecnologías de la información a la dinámica académica en estos espacios (Murillo, 2019). De acuerdo con (Espinosa, 2016) el monitoreo de la calidad de los programas es particularmente esencial durante su implementación, dado que los problemas en esta fase son uno de los factores que más afecta el éxito de éstos. En Panamá, la pobreza, desigualdad y el bajo nivel educativo, constituyen las principales causas en la adopción de actividades ilícitas y delictivas de las mujeres privadas de libertad. Esta realidad puede ser preocupante sí, al momento de cumplir con su condena aún mantienen la misma condición y se encuentren en un medio social sin mayores oportunidades, por no contar con niveles de estudios que les permitan ser competitivas en el mercado laboral, traduciéndose en perpetuar las mismas prácticas infractoras de la ley.La Universidad de Panamá, con su visión de educación para todos y sin fueros ni privilegios, desarrolla un plan de formación superior, dirigido a las privadas de libertad del Centro Femenino de Rehabilitación (CEFERE), Cecilia Orillac de Chiari, denominado Programa Anexo Universitario Penitenciario contribuyendo con las actividades del sistema penitenciario en el proceso de rehabilitación y reinserción social de los más de 17 mil personas en encierro del país, pero a la vez, esta educación debe desarrollarse con la misma calidad y la satisfacción expresa de las personas que reciben los estudios.
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O ESTADO, A IGREJA E OS CONSUMIDORES DE DROGAS
A atitude do Estado frente aos consumidores de drogas “moderados e imoderados” parte das transformações vivenciadas pelas reações puritanas norte – americana, onde um conjunto de posições morais se voltam a determinados grupos sociais, contendo estes; classe social, religião ou raça. Cada segmento marginalizado da sociedade, é vinculado a determinada substância psicoativa, tendo “coincidentemente” a característica de possuírem uma “inferioridade tanto moral como econômica” (ESCOHOTADO,2004). Como os processos históricos já esclarecem que sempre há na construção da sociabilidade a necessidade de exclusão por parte do ordenamento econômico das nações, não bastaria apenas este fundamento puritano para expressar esse movimento contraditório que o Estado assume frente às drogas. Também a influência se dá pelas mudanças que desconstroem os ideais liberais, concomitantemente intensificando a burocratização das relações sociais e Estado, para novamente justificar as transformações da relação capital e trabalho. Aliado, segundo Escohotado (2004) ao esgotamento terapêutico que foi assumido pelos eclesiásticos em outros tempos e agora (no final do século XIX) será entregue ao campo da medicina1. Em consonância com os preceitos puritanos, a venda e o consumo de substâncias que antes se encontravam dispostas aos consumidores em prateleiras de farmácias, passa a ser intolerado e regido por legislações que consonavam com o seguinte pensamento: “quem mata o corpo de um homem é um anjo comparado com quem destrói a alma de outro” (ESCOHOTADO,2004). A legislação que funda a proibição à venda de álcool – Lei Seca vigora na América do Norte a partir de 1920 embricado na ideia da construção de uma nova nação - “todos os homens voltarão a caminhar de cabeça erguida, sorrirão todas as mulheres e rirão todas as crianças. Fecharam – se as portas do inferno”2 (ESCOHOTADO, 2004). Todavia, a punição do comportamento, “convinha a uma gente para qual a religião e a lei eram quase a mesma coisa” (HAWTHORNE,1850).Carneiro (2018) esclarece, que a história das drogas se funda juntamente com a história de sua criminalização, contemplando a partir do momento onde passam a ser reguladas pelos mecanismos do Estado instituindo representações culturais e políticas de repressão, incitação ou tolerância. Ou seja, os limites que são colocados às paixões, aos hábitos, aos vícios esta intrinsecamente ligado a determinado contexto histórico e a sociabilidade que o reproduz conforme sua necessidade de organização. Trilhar este caminho da moral junto a legalidade da ilegalidade das drogas se fundamenta na crítica cuja qual o movimento da sociabilidade ocorre através (mas não somente) pela correlação das forças presentes em dada conjuntura. Não se limita e não pode ser observado apenas como a repressão do Estado frente aos consumidores de drogas . Ao contrário, é fundamentado na contrariedade das relações sociais onde as classes sociais hegemonicamente influenciam o controle social. A verdade é que a ideologia proibicionista inaugurada pela cultura moralista estadunidense, não deixou espaço para a moderação – o excesso da proibição foi deixando marcas da necessidade da abstinência, acarretando em um modus oporandi que apenas excluía segmentos e grupos sociais, privando – os de seus direitos e os criminalizando como meio para objetivar um fim utópico. Um “mundo sem drogas”, que desconsiderava a relação milenar dos sujeitos com as substâncias.A sobriedade contínua da existência é equiparada à defesa do juízo moral. Independentemente do efeito, o que realmente se trata é da condenação da indulgência para consigo próprio. Essa severidade puritana foi o traço característico da relação com o corpo ao longo da era cristã. A renúncia total, a abstinência completa, o jejum eterno dos psicofármacos, a castidade completa dos orgasmos químicos é a norma proibicionista que decorre da arcaica condenação do fruto proibido, inscrito na cultura como emblema do limite da interdição (CARNEIRO, 2008;p.291).“O admirável mundo novo3” inaugurado pelo fordismo, não apenas no âmbito da fábrica, mas se estendendo a vida privada dos indivíduos (os trabalhadores ideais - na concepção de Henry Ford) ultrapassa os limites das escolhas individuais dos sujeitos de poderem por meio de sua liberdade conduzirem seus hábitos fora das fábricas, vinculando o proibicionismo ao projeto industrial fordista. Escohotado (2004) já esclarecia que a forma como a norma se organiza no início do século XX pauta – se principalmente pelo “cerco jurídico – moral” ao retirar do sujeito a autonomia sobre as decisões a respeito das substâncias que alteram o “juízo, o comportamento, percepção ou estado de ânimo”. Para tanto, é necessário ao campo do direito “aprisionar os corpos que tenham espíritos rebeldes ou farmacologicamente dissidentes, ou seja, a fórmula se baseia em reprimir a dissidência política e religiosa (grifos nossos,CARNEIRO,2018).As ideias hegemonicamente dominantes sobre as drogas são portanto, construções que se baseiam em campanhas de grupos moralistas, associadas ao eugenismo; ao racismo; a violação de corpos de sujeitos cujo quais há necessidade de enquadramento aos ditames do capital e sua exploração de raça, classe, gênero, etnia. A campanha baseada na suposta “ciência sobre as drogas” desconsidera a vinculo intrínseco das substâncias psicoativas na história da humanidade. Lançando ao campo da medicina (mas especificamente da neurociência, genética e epidemiologia)como único capaz de desvendar e tratar os sujeitos consumidores de drogas e sua “dependência”. David Courtwignt afirmou que ‘confinar o uso de drogas à medicina é o objetivo central da política internacional de drogas do século XX. A medicina, sancionada pelo Estado, se arroga assim o direito de determinar como ‘quem deve tomar as decisões sobre quando devem ser usadas, por quem e por meio de quem’ (CARNEIRO,2018;p.391).Há pensadores que explicaram o vinculo estreito entre determinadas substâncias e a forma como a sociedade lida com tais consumos por base na criação mitológica em torno das mesmas. Ao passo que a cultura humana (que desde sempre tende a fazer este movimento de busca por respostas com base na metafísica) associou ao longo de sua ordem ao - “fruto proibido do Éden e na punição ao seu consumo”. As drogas são vistas como “bodes expiatórios, na qual a humanidade e a própria divindade recebem esta condição sacrificial na sua gênese constitutiva” (CARNEIRO, 2018).