Resumen:
O trabalho reprodutivo doméstico é conceituado enquanto atividade que na divisão social e sexual do trabalho se estabelece enquanto tarefa exclusiva e inata das mulheres na sociedade capitalista. Cabe às mulheres reproduzir biologicamente a força de trabalho e gerenciar as condições de sua reprodução social. Ainda que inseridas no mercado de trabalho, permanecem gerenciando de forma gratuita a organização do cotidiano, das crianças, idosos, homens .Na contramão desta perspectiva, ainda se configura, de forma insuficiente a articulação das políticas públicas e sociais com as reais demandas das mulheres, que a partir da análise do trabalho reprodutivo não pago das mulheres, vai se localizar, em sua totalidade, nas necessidades de todo núcleo familiar, incluindo as de acesso as políticas sociais. Neste sentido, a reprodução social, garantida a partir deste trabalho feminino, não possui uma rede setorial que viabilize, ou mesmo permita que estas mulheres organizem a vida familiar. Se conforma, portanto, enquanto mais um desafio para o cotidiano, sobretudo das trabalhadoras pobres. Localizamos que, dentre os fatores, tais como a precarização das condições e relações de trabalho no setor público, as contrarreformas, a apropriação privada do Fundo Público, o patrimonialismo e clientelismo, estas políticas não são construídas a partir da perspectiva do trabalho doméstico. A proposta deste trabalho é, portanto, estabelecer as possíveis relações entre a conformação, execução das políticas sociais, e o trabalho doméstico não pago das mulheres. Consideramos que uma politica pública social acessada, em sua maioria, pelas mulheres, no sentido que cabe a estas este trabalho reprodutivo de gestão da vida familiar, prescinde de uma participação das mulheres na construção e avaliação destas mesmas políticas. Para realizarmos este desafio estabelecemos alguns marcos teóricos que fornecem elementos teóricos para o desenvolvimento do argumento. Neste sentido, estabelecer o diálogo com as produções que trazem o debate acerca da categoria reprodução social, sua articulação com os estudos feministas que tratam da temática do trabalho reprodutivo doméstico realizados pelas mulheres, e sobre as políticas públicas e sociais, em particular, aquelas que constituem a rede de Proteção Social socioassistencial, se constitui enquanto tarefa essencial. No que se refere aos estudos feministas, a proposta é nos debruçarmos sobre aqueles que fazem a interlocução com o marxismo, no sentido de avançar na compreensão das relações e hierarquias que se estabelecem na relação entre homens e mulheres na totalidade do tecido social e na particularidade das relações familiares, cotidianas domésticas. Consideramos, pois que a divisão sexual do trabalho possui especificidade no modo de produção hegemônico, se configurando enquanto pilar essencial ao próprio capitalismo. Dentro desta proposta apresentaremos, em linhas gerais, a sistematização de duas perspectivas sobre o tema: Relações Sociais de Sexo e a Divisão Sexual do Trabalho, com ênfase nas construções do feminismo francês de Helena Hirata e Danielle Kergoat, e a retomada do debate empreendido pelo Feminismo autonomista de Ruptura, que não se restringiu a Europa, mas que se estendeu aos Estados Unidos, países do continente africano, australiano, com destaque para os estudos e militância do Coletivo Feminista Internacional (International Feminist Collective), que tinham como integrantes ativas Mariarosa Dalla Costa Selma James e Silvia Federici.Em relação as politicas públicas sociais, elencamos a Politica de Assistência Social, tendo em vista seu caráter capilar, no que se refere a intersetorialidade da Rede socioassistencial. Em seguida, a proposta é realizar uma breve contextualização das respostas à crise do capital desencadeada na década de 1970, em particular, as novas racionalidades nas formas de organização e prestação de serviços sociais expressas no setor público por meio das “contrarreformas” do Estado sob a orientação neoliberal. As políticas sociais dentro dessa conjuntura sofrem alterações significativas na medida em que na contramão das recentes conquistas e avanços que visam garantir práticas democráticas estas vão assumir o caráter mercantil produtivista. Adotam-se estratégias semelhantes de organização e gestão do trabalho àquelas do âmbito privado, que por meio das alterações legislativas viabilizam o surgimento de diversas modalidades de contratação. Com a Política de Assistência Social não foi diferente. Legitimada como política de direito através da Constituição Federal de 1988 (CF/88) compondo juntamente com a Previdência e a Saúde o tripé da Seguridade Social promove um novo ordenamento da Assistência Social. Dentro desta perspectiva, possui o controle social enquanto um de seus eixos estruturantes. É por meio da apreensão das estratégias de reação do capital à crise, que se torna possível compreender as tendências e fenômenos hoje presentes nas políticas sociais. Partimos da hipótese que compreender como se organiza a Política de Assistência Social nos possibilita realizar as mediações necessárias com o trabalho reprodutivo doméstico não pago das mulheres. Consideramos que inquietações que nos trouxeram até este tema são o resultado das experiências durante a trajetória acadêmica, profissional, da militância, mas sobretudo da necessidade de um objeto de estudo que trouxesse respostas para as mulheres que convivi durante toda minha vida: minhas tias, minha avó, minha mãe. As mulheres que sempre organizaram a dinâmica da vida cotidiana e que dedicaram suas vidas a família, ao marido, aos filhos, aos pais idosos e que abandonaram seus próprios desejos, projetos por este “trabalho de amor”. Mulheres que acessam os equipamentos da assistência em busca de serviços que auxiliem nesta árdua tarefa. O encontro com o feminismo autonomista permitiu compreender a reprodução social enquanto categoria, mas para além de perspectivas que dão voz as mulheres mais jovens (o que é legitimo) um feminismo que conversa com as mães. Um feminismo que se organiza e reivindica melhores condições de vida, saúde para a classe trabalhadora, tendo por base a concretude do cotidiano: a luta pelos serviços sociais, pela segurança alimentar, contra o racismo, a luta pelos direitos das crianças adolescentes, pela terra. A revolução será feminista, ou não será. Mas precisamos ter condições de luta para esta grande tarefa. Esperamos que este trabalho possa contribuir para a construção deste horizonte.