Resumen:
Este trabalho é um recorte da tese
Migrações Internacionais, Trabalho e Capital: seletividades persistentes e promessas ilusórias do direito à dignidade humana. Como objetivos busca problematizar as determinações estruturais e conjunturais que se impõem sobre o fenômeno das migrações internacionais, pela perspectiva do trabalho e, ainda, examinar as funcionalidades das migrações vinculadas à reprodução da superpopulação relativa como condição indispensável à lógica de reprodução do capital. Em sendo resultado do estudo teórico-metodológico, assenta-se na revisão bibliográfica da tradição marxista e se vale de incursões históricas, complementadas pela pesquisa documental, para elucidar o lugar que os/as migrantes ocupam na sociedade contemporânea. Um dos desafios teórico-metodológicos vinculados aos estudos sobre as migrações internacionais se deve ao seu escopo mundial. Há um permanente (re)direcionamento dos fluxos migratórios (rotas e destinos) que, em determinadas conjunturas e circunstâncias econômicas, sociais, culturais e políticas têm se acentuado. Profundamente radicados na sociabilidade capitalista, as migrações compendiam intrincadas relações sociais paradoxais que pressionam um contingente significativo da população aos deslocamentos forçados, com incidência na materialidade das estratégias e tragédias de (i)mobilidade e direção dos deslocamentos e, por conseguinte, inseparáveis dos planos e lutas possíveis para preservar a vida e prover as condições materiais de sua existência humana. Para elucidar os fatores estruturalmente determinantes e os sentidos implicados que consubstanciam o fenômeno migratório na sociabilidade capitalista, a premissa subjacente é a de que a análise das migrações internacionais é indissociável das relações sociais que conformam o movimento dialético entre capital e trabalho. Em países de capitalismo periférico e dependente, os limites da sobrevivência humana se revelam na agudização das desigualdades sociais, no aumento do desemprego estrutural, na célere violação de direitos e dignidades humanos e nas expropriações materiais e simbólicas das condições da vida que constrangem e sobredeterminam, objetivamente e subjetivamente, os movimentos migratórios. Apesar de o controle exercido sobre as fronteiras constituir uma das características fundamentais do Estado moderno e de o sistema econômico que o sustenta possibilitar a definição das regras de admissibilidade ou não de migrantes em seu território, estas mesmas determinações impõem a construção de mecanismos colidentes de inclusão/exclusão no mercado de trabalho, vis-à-vis à construção de linguagens através do emprego de eufemismos e ocultamentos de suas determinações estruturais, ao mesmo tempo, relacionadas às incapacidades estatais na efetivação dos direitos da população migrante. É uma realidade complexa que apresenta desafios, em termos teórico-metodológicos, para a apreensão das tendências operantes e ressignificadas dos fluxos migratórios na contemporaneidade. Entende-se que as inferências produzidas a esse respeito são sempre provisórias e incompletas (ainda que a perspectiva reivindicada é a da totalidade), e tais enfrentamentos não se limitam apenas ao ato de ir, atravessar ou ficar nas ou entre as fronteiras dos Estados nacionais. Como fenômeno e processo social complexo, as leituras sobre migrações internacionais referenciadas na mera descrição e mensuração dos deslocamentos físicos são postas em xeque, exigindo-se novas interpretações que alcancem suas determinações mais profundas e estruturais. Na sociabilidade do capital, reitera-se serem múltiplos os fatores que agem como indutores - estímulo ou constrangimento - das migrações e na reorientação geográfica dos fluxos de migrantes, tais como: as relações geopolíticas e geoeconômicas, a confluência de fatores geográficos entre países; a lógica interna e externa redesenhada pela divisão internacional e territorial do trabalho, suas transformações e precarizações; o caráter multidimensional das desigualdades entre países (econômica, social, política e ambiental); as dinâmicas das políticas externas adotadas, cuja relação se dá entre Estados; o papel da legislação migratória e os acordos internacionais vigentes no plano bilateral ou multilateral e; as dimensões étnico-raciais, jurídicas, bélicas involucradas. A circulação acelerada da classe trabalhadora, pelo viés migratório, se complementa na e pela trama conflituosa das lógicas e projetos societários em disputa, que orientam as definições conceituais e o
modus operandi da “governança migratória” expressa nas políticas públicas e ações governamentais, de onde podem ser abstraídos outros determinantes que possibilitam pensar a sua incidência como vetores ou inibidores das migrações internacionais. Assim, convém destacar, de imediato, que se afasta o “indivíduo” ou “a família” como unidades explicativas dos fluxos migratórios. Ao reconfigurar os ambientes de migração vinculados às transformações ocorridas desde o último quartel do século XX, a intensidade e diversidade dos fluxos migratórios internacionais apontam para uma fundamental mudança sociodemográfica nos países. Revelam novos e velhos espaços, trajetórias e destinos das migrações, balizadas por sujeitos em distintas condições migratórias provocadas pelas guerras geoeconômicas e geopolíticas, desemprego, pobreza, violências e violação de direitos, ao mesmo tempo que se acentua uma reversão política ultraconservadora, movidas por fundamentalismos, com suas posições racistas, homofóbicas e contrárias aos migrantes, em todo o mundo capitalista. No campo dos direitos, as possibilidades e a intencionalidade dos Estados de dar respostas ou se omitir/ignorar dependem, em grande medida, das perspectivas e das (não) prioridades assumidas pelos governos - que detêm o mandato de poder político - sobre o lugar ocupado das migrações no território nacional e internacional. Por decorrência, tais perspectivas e/ou ausência de prioridades se articulam, de um lado, entre o direito soberano dos Estados de decidir, controlar, permitir e impedir sobre quem pode entrar e quem deve sair nos e dos limites de seus territórios e para qual finalidade e, por outro lado, ao reconhecimento ou não do direito das e dos migrantes a ter direitos. Um dos aspectos que se destaca pelas ações governamentais no âmbito migrações é a produção de dados censitários, isto é, o controle e a gestão dos corpos passíveis de enumeração. Eivada de contradições, a produção de dados censitários sobre as migrações internacionais é um instrumento de controle ambíguo. Se, por um lado, é importante em muitos aspectos para planificação e gestão de políticas públicas, por outro, a tentação de utilizá-los para intervenções contrárias também é grande e com consequências gravosas, que podem se traduzir em instrumentos jurídico-normativos relacionados com os processos de segurança nacional, fechamento ou securitização das fronteiras e das migrações e, ainda, na regulação seletiva de migrantes em situação de vulnerabilidade, porém, portadores da mercadoria força de trabalho, ainda que excedentária, mas disponível para incorporação no modo de produção capitalista, quando conveniente ao sistema.