Resumen:
O presente resumo é resultado de investigação preliminar de mestrado, desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre - Brasil. Objetiva compreender como o engajamento de estudantes e de profissionais de Serviço Social (SS) na Ação Popular (AP) gerou influências na profissão, destacadamente nos processos de erosão do SS tradicional e da renovação profissional (NETTO, 2015), considerando as transformações da profissão nos antecedentes e durante a ditadura civil-militar brasileira.A AP foi uma organização da nova esquerda brasileira, nascida em 1962, majoritariamente a partir de segmentos jovens do movimento laico católico, como a Juventude Universitária Católica. A AP se reorganizou e se reinventou ao longo de sua trajetória, deslocando-se de um discurso socialista humanitário (inspirado em Lebret, Mounier, Padre Vaz) para o marxismo-leninismo (recebendo influência de Guevara, Debray, Mao Tsé-Tung, Althusser, Hanecker). Essa radicalização culminou com a adoção do nome Ação Popular Marxista Leninista (APML), em 1971. A mesma é representativa de um movimento comum a outras organizações na América Latina (AL), a partir do seu deslocamento de um discurso cristão em direção ao marxismo (RIDENTI, 1998). Demonstra a sua relevância social através da atuação de seus ex-militantes na política brasileira, atuando como senadores, deputados estaduais e federais, candidatos à presidência da República e dirigentes de partidos políticos de direita, centro e esquerda. Quanto ao SS, ex-militantes e simpatizantes protagonizaram a produção acadêmica e a organização da categoria, inclusive no processo constitutivo do atual Projeto Ético Político Profissional brasileiro, tal como Leila Lima Santos, Marilda Villela Iamamoto, Vicente Faleiros e Maria Beatriz Abramides, dentre outros. A pesquisa ancora-se, em pressupostos teórico-metodológicos, na centralidade da história para a compreensão do significado social do SS, ou seja, da unidade entre teoria, método e história na elucidação do seu movimento e da sua processualidade. Pressupõe uma angulação analítica que privilegia a leitura da história da AL e do SS apreendida “pelo avesso”, ou seja, na relação da profissão com as lutas e os movimentos sociais enquanto desencadeadores de concepções histórico-críticas no universo intelectual da profissão (IAMAMOTO & SANTOS, 2021).Nesse contexto, o SS e a AP compartilham certas similaridades em suas gêneses e em seu ideário, conforme estudo anterior realizado (CLOSS et al, 2021; MIZOGUCHI, 2021). Para a discussão em tela, enfocaremos a influência da AP nos processos de erosão do Serviço Social tradicional e da vertente renovadora intenção de ruptura (NETTO, 2015). De meados da década de 1950 ao início dos anos 1960, a profissão no Brasil experimentou processos iniciais erosão do Serviço Social tradicional, especialmente via experiências de Desenvolvimento de Comunidade (DC) heterodoxas realizadas em sindicatos rurais e de alfabetização de adultos através do método Paulo Freire (AMMANN, 2013; CLOSS et al, 2021). Essas lançaram bases para práticas de maior amplitude, para além do SS de Caso e de Grupo, sintonizando a profissão com as pautas de superação do subdesenvolvimento. Do rol de vetores de erosão (NETTO, 2015), dois estão diretamente relacionados à atuação da AP, tanto pelo seu domínio no movimento estudantil (LIMA & ARANTES, 1984) quanto no que diz respeito à emersão de católicos progressistas atuantes na esquerda católica – processo que diz respeito à própria trajetória dessa organização.Quanto à vertente intenção de ruptura, o projeto profissional da Escola de Serviço Social da PUC-MG, conhecido como Método BH, teve em suas articuladoras militantes e simpatizantes da AP. A nossa hipótese é de que o acúmulo proveniente da militância política nessa organização influenciou este projeto, compartilhando referências bibliográficas discutidas no âmbito da AP – destaca-se a resolução para estudos da AP (LIMA & ARANTES, 1984) – com aquelas incorporadas ao “Método” (BATISTONI, 2021; CLOSS et al, 2021; MIZOGUCHI, 2021). Estes teóricos foram Louis Althusser, Padre Henrique Vaz e Mao Tsé-Tung (MIZOGUCHI, 2021).A aproximação do Serviço Social ao marxismo no Brasil ocorreu, primeiramente, nesse âmbito da experiência do Método BH e, num segundo momento, uma relação de continuidade e ruptura com o movimento de Reconceituação (IAMAMOTO, 2018, p. 216). Por partir de uma aproximação a um marxismo sem Marx (QUIROGA, 1991), pode estar relacionado a essa influência da AP na apreensão desses teóricos, bem como pelos limites impostos pela ditadura civil-militar na difusão da literatura crítica marxista.Em termos metodológicos, foi desenvolvida pesquisa bibliográfica de tipo exploratória no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Brasil. O universo de dissertações encontradas foi de 266, a maioria da área do direito e sem relação com a organização. A partir de critérios previamente selecionados, restaram 13 dissertações que foram analisadas. Em 6 delas aparecem dados sobre a participação de assistentes sociais na AP (CARVALHO, 2013; DIAS, 2011; GAVIÃO, 2007; OLIVEIRA, 2016; REIS, 2015; SILVA, 2016). Também realizou-se análise documental a partir do acervo do “Projeto Brasil: Nunca Mais!” e dos documentos da AP. Finalmente, foi realizada a análise de conteúdo de entrevistas disponíveis (ALMEIDA, 2014; BECKER, 2021; BECKER, 2019; CFESS, 2017; FALEIROS, 2019; IAMAMOTO, 2014; PORFIRIO, 2014; SALAMONI, 2021; SANTA CRUZ, 2002) e realizadas durante o trabalho de conclusão de curso (MIZOGUCHI, 2021). Concomitantemente, foi feita a revisão de literatura a partir dos clássicos no trato dos temas pertinentes ao SS (AMMAN, 2013; IAMAMOTO & CARVALHO, 2014; NETTO, 2015) e à AP (AZEVEDO, 2016; FILHO, 1985; GORENDER, 2014; LIMA & ARANTES, 1984; RIDENTI, 1998). A partir de tal investigação, identificamos 23 assistentes sociais engajados na AP, cujos dados biográficos e trajetórias foram analisados.As conclusões provisórias demonstram a interferência da militância política na ação profissional e na aproximação ao marxismo, assim como nos processos mais amplos de erosão do SS e da renovação profissional, além de ter possibilitado a visibilidade e valorização destes sujeitos. Evidenciaram-se 4 tendências das inflexões da militância em AP no SS: o engajamento nas juventudes católicas anteriormente à AP, a relevância das experiências de DC heterodoxas enquanto possibilidade de vazão dos anseios de profissionais alinhados à perspectiva progressista, a indistinção entre militância política e profissão nos antecedentes da ditadura civil-militar, aproximação com o marxismo através da militância. Demonstrou-se a influência da Ação Popular na erosão do Serviço Social tradicional e na renovação profissional.