Resumen:
A pesquisa intitulada “Violência Obstétrica na cidade de Santos/SP: dando voz e visibilidade a mulheres e sua dor/força”, fruto de iniciação científica apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), teve como objetivo: Documentar e analisar situações de violência obstétrica durante o puerpério, parto e pós-parto que atravessaram a vivência de mulheres em instituições hospitalares públicas e privadas no município de Santos/SP após o ano de 2011 (ano em que se implanta no Brasil a Programa rede cegonha).Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica e de consulta a bancos de dados, que abarcou denso e conciso referencial teórico e compreensão da realidade nacional de assistência ao parto, bem como o levantamento de dados em nível municipal referente à vivência da parturição de mulheres em Santos no período. Discutiu o fenômeno da violência obstétrica - conjunto de práticas de assistência que colocam em risco a saúde, integridade e a vida de sujeitos parturientes e recém-nascidos-, a partir de seu entendimento como uma questão de saúde pública. Sob esta perspectiva, o tema foi abordado em seu contexto social, cultural e histórico, entendendo-se o enovelamento destas práticas enraizadas na área da saúde como expressão das desigualdades de classes sociais, do patriarcado e do racismo - pilares que sustentam a lógica da sociabilidade capitalista.Além do rigoroso trato teórico e analítico foi realizada a pesquisa empírica, através da aplicação de um questionário
online, que buscou compreender a vivência de mulheres parturientes sobre a temática, bem como o tratamento e os procedimentos aos quais foram submetidas/os, seguida de entrevista individual com voluntária, convidada a partir de seleção após tabulação dos questionários. A divulgação para a participação voluntária ocorreu por intermédio de grupos ativistas de apoio ao parto humanizado que são referência na Baixada santista, tendo recebido resposta de 21 mulheres. A pesquisa foi devidamente cadastrada e aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade e na plataforma Brasil, seguindo todos os necessários protocolos.Os dados foram tabulados e analisados a partir da técnica de análise de conteúdo, estabelecendo-se eixos temáticos, quais sejam: características sociodemográficas maternas utilizadas; características do parto; indicadores de atenção pré-parto; o tratamento recebido ao longo da internação; e indicadores de atenção obstétrica.A partir desses eixos, além da visão geral de respostas das mulheres voluntárias, embasou-se a análise a partir dos recortes de raça/cor e instituição (pública ou privada) em cada um deles, resultando em tabelas produzidas, a fim de facilitar a visualização de como a violência obstétrica se apresenta em cada caso e o impacto desses atravessamentos.Como resultado foram verificados o uso rotineiro de práticas, sem respaldo científico, que priorizam a lógica de linha de produção - e, portanto, de agilidade e produtividade - em detrimento à promoção de saúde e garantia de direitos. Foi verificado, ainda, as graduações destas manifestações atreladas às condicionalidades de classe e raça/etnia. À exemplo, o cuidado, ainda que concebido de maneira, por vezes, contraditória - como a aplicação em excesso de medicamentos para alívio de dores e anestésicos durante episiotomia - é resguardado às mulheres brancas.Foi constatado ainda, o quanto a temática da violência obstétrica é desconhecida pelas mulheres, uma vez que a maioria das pesquisadas afirmava não ter sofrido violência obstétrica, mas, ao responder sobre os procedimentos vivenciados, assinalavam mais do que um dos considerados como violência obstétrica.Sabe-se que o controle outrora assumido por mulheres sobre a parturição e seus corpos até a Idade Média, desde o rito do parto ao uso de métodos contraceptivos, foi abruptamente reprimido a partir dos séculos XVI e XVII, diante da demanda mercantilista por uma rígida política reprodutiva. Neste processo, denominado “
caça às bruxas”, instaurou-se uma guerra contra as mulheres. Acusadas de violações das normas reprodutivas, as mulheres foram reduzidas a um papel passivo durante a parturição e a figura do médico homem assumiu a centralidade. Haja vista às suas raízes históricas, a vivência de mulheres, de sujeitos parturientes, em instituições hospitalares, ainda hoje, é marcada pela violação de direitos humanos, sexuais e reprodutivos, pois, apesar das significativas conquistas legislativas que respaldam o atendimento e o parto humanizado, ainda assim, a operacionalização e procedimentos cotidianos centram-se na patologização de um processo fisiológico natural e são atravessados por preconceitos e discriminação, que minam a autonomia e direitos daquelas/es que, de fato, dão a luz. Nesta perspectiva e, diante dos resultados encontrados na pesquisa de campo, podemos afirmar que o conjunto de violações dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos enraizados às práticas de assistência em instituições hospitalares denunciam a necessidade de uma equipe multiprofissional comprometida com a urgência desta questão, bem como o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento coletivas e adequadas para o combate e prevenção dessas violações, quer seja pelo Estado, quer seja pela necessária organização e luta de mulheres.É fundamental que se dê visibilidade à dor e voz dessas mulheres para que se conheça as violações ocorridas e que outras mulheres não precisem passar por essa situação num momento de tanta fragilidade e força, no qual a vida se origina. Enquanto humanidade, é necessário que pensemos a forma de vir ao mundo assegurada por direitos que levem em consideração a humanização na saúde, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e os direitos de crianças a um nascimento digno e adequado. Como nos inspira Michel Odent “Para mudar o mundo precisamos mudar a forma de nascer”.