Resumen:
O presente artigo tem por objetivo dialogar sobre o tema da violência sexual contra crianças e adolescentes, a partir da atuação do Serviço Social no meio sociojurídico. Foi construído sob o método crítico-dialético, e teve por procedimentos metodológicos a realização de análise documental e bibliográfica, bem como de dados primários e secundários, incluindo pesquisa de campo na 2ª Vara Especializada em Crimes contra a Dignidade Sexual de Crianças e Adolescentes (2ª VECCDSCA), do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJ AM), Brasil. Tendo como referência o ano de 2021, foram analisados os dados coletados pelo Ministério da Saúde, e a partir do estudo de processos julgados em sentenciados na 2ª VECCDSCA. Comparativamente, na 2ª VECCDSCA, no ano de 2020, somente no período entre janeiro e setembro foram sentenciados 93 processos. Os procedimentos éticos foram resguardados, dado que os profissionais que extraíram os dados dos processos eram servidores da referida Vara, habilitados e aptos a lidar com o segredo de justiça inerente aos processos transitados em tal instância. Os dados coletados não contêm identificação sobre nenhuma das partes relativas aos processos, configurando-se em indicadores estatísticos de dados biopsicossociais. Inicia-se este trabalho com a apresentação do tema, buscando refletir sobre o conceito de violência enquanto refração da questão social. Em sequência se discute o conceito de violência sexual, para então entrar no tema da violência sexual contra crianças e adolescentes. Após a apresentação do debate e conceituação do tema, apresenta-se os dados analisados oriundos da 2ª VECCDSCA. A análise dos dados encontrou similitudes com aqueles coletados pelo Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Este artigo buscou contribuir para a produção de conhecimento científico sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, dando visibilidade para as diversas violações aos direitos humanos desse segmento social, localizado na maior área territorial do Brasil. Nesse contexto, compreende-se a violência sexual contra crianças e adolescentes enquanto refração da questão social, expressão de uma violência sistêmica, que segundo Iamamoto (1983): A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão (1983, p.77). A questão social é una, única, expressada nas mais variadas formas e refrações, das quais são exemplo o pauperismo, a vulnerabilidade social, o desemprego, a fome, a violência em suas mais variadas formas, também o machismo e o patriarcado. A questão social é forjada na luta de classes, uma secular luta social. Sua raiz enquanto objeto está sedimentada no paradoxo capitalista onde a riqueza é produzida em sociedade, pelo conjunto dos trabalhadores, e apropriada por uma pequena parcela privada. O assistente social, em seu fazer profissional, tem a questão social como objeto de intervenção: Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] ... a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social (IAMAMOTO,1997, p. 14). A violência é um agravo de ampla magnitude em todo o mundo, somando 1,3 milhão de mortes por ano, sendo a quarta principal causa de morte na população mundial, e a principal causa na faixa etária entre 15 e 44 anos (OMS, 2013). No Brasil, no ano de 2016 registraram-se aproximadamente 100.000 casos de violência contra crianças e adolescentes, uma taxa de 149,1 casos de violência notificados por 100.000 crianças e adolescentes. No estado do Amazonas foram registrados cerca de 2.200 notificações (BRASIL, 2014). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como: O uso intencional de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação (WHO, 2002, p.5). Essa definição que associa a intencionalidade com o a prática do próprio ato, independentemente do resultado produzido. Excluem-se nessa definição os incidentes não intencionais, como acidentes de carro e queimaduras não intencionais. Nesse sentido, os termos “poder” e “uso de força física” ampliam a compreensão acerca do conceito de violência, incluindo os atos resultantes de relações de poder, incluindo ameaças e intimidação. Dessa forma, “poder” se refere também à negligência e a atos de omissão, assim como o “uso de força física” deve ser entendido de forma a abranger as variadas formas de negligência e todos os tipos de abusos físicos, sexuais, psicológicos, assim como o suicídio e outras formas de violência auto infligida (WHO, 2002). No Brasil é obrigatória a notificação da violência contra crianças e adolescentes junto aos órgãos competentes desde 1993, com o advento do Estatuto da Criança. Em 1993 foi criado o Sinan, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com a finalidade de registrar os dados sobre violência atendidos nas unidades de saúde, criando dados estatísticos e permitindo o monitoramento e planejamento de políticas e programas de atenção e prevenção à violência (BRASIL, 2013). O Sinan registrou no ano de 2021, um total de 34.386 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Portanto, a violência sexual é uma das expressões da questão social, uma forma especializada de violência, objeto de intervenção do assistente social nos mais variados espaços sócio-ocupacionais.