Resumen:
A formação sócio histórica do Brasil foi construída a partir da quase dizimação da população originária - os indígenas – e, pelo sequestro de pessoas do continente africano condicionadas ao trabalho escravo em terras brasileiras. Tiradas de sua própria ancestralidade e humanidade, eram fadadas a morte de suas almas e de toda a matéria física de seus corpos. De 1500 a 1888 o Brasil viveu anos de escravização, onde homens, mulheres, meninos e meninas de povos originários deste próprio território ou trazidos à força da África sofreram incontáveis violações. Foram mais de quatro milhões de africanos/as e de indígenas, expostos às doenças, a escravização de sua força de trabalho, o batismo católico forçado, os castigos físicos, a tortura, a humilhação, o estupro, a exploração completam a exaustão de toda a matéria física e espiritual, a morte. Atualmente, muitas são as formas de permanência desse passado pouco distante. Parece óbvio dizer que de 1500 para 2022 muita luta foi construída e algumas conquistas e avanços foram feitos, mas não podemos jamais nos deixar iludir. Muitas forças ameaçadoras também foram fortalecidas; ao passo que alguns buscam a justiça, a reparação histórica e avanços, outros continuam presos ao passado, entusiastas dos senhores de escravizados, capitães do mato, bandeirantes e missionários. Na atualidade, as pessoas negras (soma de pessoas autodeclaradas pretas e pardas, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) continuam sendo as maiores vítimas das diversas formas de violência. No caso dos homicídios, as maiores vítimas são do sexo masculino, são jovens (entre 15-29 anos de idade), negros e periféricos, como um todo, além de serem principais alvos da violência policial e das chamadas “mortes violentas com causa indeterminada”. A sociedade brasileira, formada sobre um solo fertilizado com o sangue e o suor dos/as indígenas e negros/as, segue negando seus direitos básicos. Segue imobilizando socialmente pretos/as e pardos/as, os verdadeiros criadores de riquezas, alienando-os de todo o produto elaborados com sua força de trabalho. A violência como estruturante das relações sociais, presente no cerne da história desse país, é intrínseca ao modo de ser. No período da escravização e pós-abolição, uma das formas de impedir os/as negros/as de uma possível revolução na pirâmide social era os linchamentos públicos. Caso o
status quo fosse minimamente ameaçado, caso um preto ousasse querer ser tratado como ser humano, era amarrado, chicoteado, enforcado e humilhado até a morte, em praça pública para que os outros pretos temessem. Atualmente, assim como as demais manifestações de violência, os linchamentos públicos têm como maioria de vítimas as pessoas negras. Pessoas negras continuam mais suscetíveis a esta forma de castigo físico e psicológico. Representa o enaltecimento de um cruel passado onde era admissível que pessoas fossem punidas das formas mais cruéis nos pelourinhos. A violência experienciada pelas camadas mais pobres e negra ou indígena é apenas a reciclagem de um passado recente. Amarrados em postes em praças públicas estão os descendentes dos escravizados amarrados nos pelourinhos. Os linchamentos são compostos por uma multidão de pessoas que, munidas de agressividade e de ódio, buscam punir sumariamente um/a suspeita/o de infringir a ordem e a moral vigentes com suas próprias mãos. Buscou-se evidenciar ocorrências de linchamentos públicos no Brasil e na Baixada Santista-SP, identificando suas raízes. O caminho percorrido buscou decifrar o movimento real do objeto de estudo, munido de totalidade e historicidade, através de pesquisa documental e bibliográfica livros, artigos e teses, além de matérias jornalísticas — de mídia impressa,
online, televisiva e redes sociais — que tratam sobre o tema. Foi possível identificar a forma com a qual os linchamentos estão estritamente ligados ao conservadorismo, ao racismo e ao descrédito na justiça e ao discurso do ódio; a sociedade brasileira, formada sobre um solo fertilizado com o sangue e o suor dos/as indígenas e negros/as, segue negando a essas pessoas seus direitos humanos básicos. Representa o enaltecimento de um cruel passado onde era admissível que pessoas fossem punidas das formas mais cruéis nos pelourinhos. Diversos fatores interferem em quais crimes e quais criminosos são linchados pela sociedade. Nem todo e qualquer acusado de um crime é vítima de linchamento. Os linchados são sempre os acusados de infringir alguma norma social, enquanto que o grupo de linchadores — podendo chegar a ser uma multidão — são aqueles que se autodenominam “pessoa de bem”, que delegam para si a tarefa de restaurar a “ordem” social e o direito de punir outro ser humano. O linchamento público é, talvez, a faceta mais explícita do ódio externalizado em ação violenta e, diferente de algumas das outras formas de violência — como a psicológica —, não há dúvida alguma que o linchamento, de fato, é uma das gamas que compõe a violência em sua totalidade. A agressividade, a raiva, e o ódio são óbvios para quem visualiza a cena. O linchamento, por seu caráter fisicamente explícito — que na maior parte das vezes, justamente por ser físico, sobressai e justapõe o caráter vexatório da violência contra a pessoa que está sendo linchada, humilhada em público ao ser xingada, amarrada em postes, fotografada, filmada e (ainda mais) exposta —, é indissociável de seu caráter violento. Muitos meios de comunicação, através de programas policiais e internet, e uma grande parcela da sociedade rotula o linchamento como uma ação de “legítima defesa”, quando, na verdade, nunca é dada a oportunidade de acusado do crime sequer falar, quem dirá se rebelar. O linchado recebe a punição de forma imediata, sem mesmo poder se defender ou passar por um julgamento. Parece irônico dizer que a população tem uma grande tendência de agir em “legítima defesa” contra o suposto criminoso quando é negro ou periférico, enquanto que quando o suposto criminoso é branco e tem sobrenome de oligarcas, a população age em “legítima defesa” do criminoso, inocentando-o. É notório que a sociedade brasileira segue punindo, principalmente, um grupo específico em nome da ordem e de uma ideologia conservadora carregada de racismo.