Propuesta del Panel:
A pandemia de COVID-19 causada pela propagação do vĩrus SARS-CoV-2 ou Novo Coronavírus acirra contradições estruturais da organização da vida social em nível mundial, escancarando o abismo posto na desigualdade entre classes. Em concomitância verifica-se a exacerbação das disparidades raciais, que no Brasil são base de sua fundação como nação, como em outros países latino-americanos. No contexto contemporâneo são intensificadas as condições sócio-políticas de reprodução do racismo, na medida em que as respostas e não-respostas de enfrentamento da pandemia pelo Estado se revelam por vezes dotadas de aspectos eugenistas, sobretudo, destinados à populações negras. As medidas de higienização, distanciamento social e de isolamento são as recomendações básicas da Organização Mundial de Saúde - OMS para a contenção da circulação do vírus e redução do contágio. Contudo, a despeito dessas orientações, inviáveis para milhares de pessoas, a crise sanitária continua mortal para as populações negras. No Brasil, a primeira vítima fatal da COVID-19 foi uma mulher negra, empregada doméstica. Este é um quadro que precisa ser entendido para além de uma fatalidade neutra. Isso porque a circulação do vírus não é democrática. Ainda que possa atingir todas as pessoas, indiscriminadamente, as possibilidades de adesão às orientações da OMS se demonstraram desiguais em países como o Brasil. Nesta direção, os números da mortalidade de populações negras por Covid-19 reproduzem os dados de desigualdades de mortes entre populações negras e brancas anteriores à pandemia. É nesse horizonte que as teses de Clóvis Moura sobre as resistências negras e a categoria amefricanidade de Lélia Gonzalez se apresentam como contribuição a análise do aprofundamento das iniquidades raciais no Brasil no contexto da pandemia de Covid-19. As relaçõs étnico-raciais que atravessam a "questão social" no Brasil permite compreender o racismo que permeia as relações sociais no país e, como resultante, o distanciamento dos/as negros/as dos direitos da cidadania brasileira inerentes à lógica contributiva e do regime de trabalho formal. A expressão desse racismo pode ser apreendida nas estatísticas de desemprego, de informalidade e de relações de trabalho mais precárias, lugar historicamente ocupado por esse segmento, e por consequência distantes do acesso a políticas sociais e da prometida proteção social institucional. Não por acaso, uma vez distante da proteção social ensejada pela lógica contributiva, como a Previdência Social, os/as trabalhadores/as negros/as distanciam cada vez mais dos direitos de cidadania principalmente quando se observa o "desfinanciamento" de políticas sociais como saúde, assistência social e de políticas públicas como educação e moradia. Somente com a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), parcela negra da classe trabalhadora alcança alguma "proteção social", que se revela insuficiente. Por isso também será discutido neste painel as relações étnico-raciais no âmbito da questão social brasileira, priorizando o debate do trabalho e da proteção social. Sob esse mesmo contexto se torna fértil a análise da política social e sua tensa relação na relação entre classes sociais racializadas, como no Brasil. Não por acaso, uma série de mobilizações produzidas nas periferias em todo o país e protagonizadas pela população negra ganharam destaque ao mesmo tempo em que a via estatal respondeu à miséria ampliada pela pandemia com lentas ações ou com inações, que as fizeram ser comparadas a princípios eugenistas. A partir da formação sócio histórica é possível analisar a situação da saúde da população em “situação de rua”, durante a COVID-19 no Brasil. Aspecto que será abordado a partir da hipótese de que a ocupação da rua como moradia e trabalho pelos (as) trabalhadores(as) negros(as) hoje, resulta de processos históricos que organizaram o mundo do trabalho capitalista, envolvendo o Estado, a família, o sistema jurídico e outros aspectos impostos pela Modernidade. No Brasil o escravismo manteve-se durante 388 anos. No percurso de seu desenvolvimento, auge e declínio, o escravismo, contraditoriamente, abriu espaços para a ocupação das ruas das cidades (em contraponto com o mundo rural) para o exercício laboral precarizado, a exemplo escravizados(as) ao ganho no espaço urbano. No pós-abolição a massa de trabalhadores(as) negros(as) libertos(as) ocuparão as ruas da cidade, espaço de recrutamento e de realização trabalho desprestigiado moral e economicamente em vista à acumulação capitalista. Processo elementar para entender como, a despeito da potência das africanidades em cidades, como Salvador (Bahia), a cidade mais negra do Brasil, a população em situação de rua, majoritariamente negra, é alvo histórico do racismo estrutural. Desprovida de ações protetivas do poder público e a despeito de iniciativas de setores progressistas da sociedade civil, do poder legislativo e do poder executivo locais, torna-se cada vez mais frágil a rede de atendimento a essa população, sobretudo, durante a pandemia da COVID19. Essa rede afetada diretamente pelas políticas de austeridade e pelo projeto de nação em curso no Brasil, tensionada pelos movimentos sociais. Nesse cenário, assistentes sociais ocuparam frentes de trabalho em variados espaços sócio-ocupacionais, especialmente, nas políticas sociais supracitadas. Isso também nos leva à reflexão sobre quais desafios ainda se colocam ao Serviço Social.