Resumen:
O presente artigo tem por objetivo compreender o processo de transformação do trabalho na esfera pública a partir das disputas em torno do fundo público, mais especificamente do Orçamento Bruto de Pessoal (OBP). Trate-se de uma revisão bibliográfica sobre o trabalho, articulada à pesquisa documental sobre o orçamento público e as contrarreformas de caráter administrativo.Vivemos um período de crise estrutural e permanente do capitalismo, uma crise em escala mundial expressa no aumento do desemprego, na corrida tecnológica, nas incessantes contrarreformas, na precarização do trabalho, na hegemonia do capital financeiro. Nesse contexto, temos um acirramento das disputas em torno do fundo público, onde o capital busca se apropriar de parcelas cada vez maiores dos recursos públicos revertido na forma de serviços para os trabalhadores. Chamamos a fatia do Orçamento que paga os servidores públicos de Orçamento Bruto de Pessoal (OBP). Ele é composto em dois grandes eixos, um relativo aos servidores da ativa e outro relativo aos servidores aposentados e pensionistas. No ano de 2020 o OBP da União foi previsto em 337 bilhões de reais. Esse valor paga servidores da ativa, pensionistas e aposentados dos poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como o serviço militar.Ora, o total de gastos da união ao contrário do que a mídia apresenta, não é apenas um gasto com salários dos servidores da saúde, educação, previdência. Da mesma forma, a sua dupla divisão vincula o orçamento a dois conjuntos de direitos: os trabalhistas (que incidem nos salários e vantagens) e os previdenciários (que incidem sobre aposentados e pensionista). As contrarreformas que visam reduzir os gastos com servidores são, em nossa compreensão, de natureza trabalhista e envolvem tanto a esfera administrativa, quanto a previdenciária. Não atoa temos vivido uma permanente contrarreforma nestas duas áreas, sob a falsa alegação de que o Estado Brasileiro gasta demais com servidores. Desde a década de 1990 está em curso um permanente ataque aos gastos com os servidores. Temos, a título de exemplo, no âmbito administrativo, de acordo com Pereira (2020[1]) um conjunto de leis que ampliam: As terceirizações operacionalizadas por meio da Lei nº 8.666/93 e dos Decreto nº 2.271/1997 e 9.507/2018. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Continua (2019) sistematizados por Carvalho (2020)[2], temos, entre os anos de 2012 e 2019, um crescimento dos trabalhadores informais de nível superior em 10,63% e uma diminuição do funcionalismo público no mesmo nível de escolaridade em 1,02 %;Congelamento e ampliação das dificuldades para realização de concursos públicos, que se expressam no Decreto nº 9.739/19, na Lei Complementar n° 173/2020 e, mais recentemente, na aprovação da Proposta Ementa Constitucional 186 que criou gatilhos para congelamento de gastos essenciais que impedem, dentre outas coisas, os aumentos salariais e a realização de concursos para novas vagas;Este cenário adverso elucida a não recomposição dos quadros profissionais no âmbito das políticas sociais. Esse enxugamento vem sendo realizado através da inserção de tecnologias da informação, responsabilização dos trabalhadores por sua produtividade e técnicas de gestão e controle gerenciais da força de trabalho. O que se observa é uma degradação do trabalho na esfera pública e uma profunda intensificação das jornadas de trabalho.No plano previdenciário observamos: A lei 12.618/2012 que acabou com a aposentadoria integral para servidores admitidos após 05 de fevereiro de 2013 instituindo a Previdência Complementar. A partir de 2043 a geração que entrou no serviço público após fevereiro de 2013 irá se aposentar, e, com isso, teremos uma redução brutal do valor do OP;A EC 103/2019 que aumentou o tempo de contribuição e alíquota previdenciária do funcionalismo, que pode chegar até 22% do salário. Além disso, tivemos a privatização do fundo da Previdência Complementar.O contexto de aprofundamento da crise capitalista vem promovendo uma permanente contrarreforma administrativa e previdenciária. Esse processo é operacionalizado por meio da expropriação de direitos que aprofundam a precarização do trabalho como condição de punção da fatia orçamentária que paga os servidores públicos. Esse fenômeno, como podemos ver, não se trata de mero “juridiquez”, ele altera objetivamente o trabalho no interior das políticas sociais. Neste sentido, temos um incremento dos vínculos terceirizados, temporários, contratados por CLT e vinculados a Organizações Sociais. A multiplicidade de vínculos impulsiona a fragmentação da organização político-sindical dos servidores e incidem, também, na autonomia profissional. Quanto mais frágil são as formas de contratação, mais suscetíveis a pressões políticas. Esse processo fragiliza a atuação dos servidores na perspectiva da garantia dos direitos de cidadania, ficando subjugado aos imperativos dos gestores. Da mesma forma, a mudança não é só nas formas de contratação, ela incide sobre o processo de trabalho. Observamos um incremento das tecnologias da informação no processo de trabalho coletivo nas políticas públicas, uma tendência de aumento de produtividade para suprir as aposentaria dos servidores, levando os trabalhadores a exaustão. Destacamos o teletrabalho, mesmo antes da pandemia, como uma tendência para trabalho na esfera pública. Os servidores são responsáveis pelos meios de trabalho, perdem os auxílios transporte e, por desfrutar dessa “benesse”, muitas das vezes precisam aumentar as metas já presente no trabalho presencial. Neste sentido, a atual contrarreforma administrativa em tramitação no congresso (PEC 32) aprofunda o ataque trabalhista aos servidores, propondo, dentre outras coisas, a possibilidade de privatização das políticas sociais por meio de sua operacionalização por grandes corporações, bem como o fim da estabilidade par aos servidores. Esse processo tem um amplo caráter destrutivo para o trabalho coletivo na esfera pública, ameaçando a natureza pública das políticas operacionalizadas no Estado e instaurando a lógica do valor na esfera historicamente improdutiva. Defender o funcionalismo, nessa conjuntura, é defender o conjunto de trabalhadores que dependem das políticas públicas para se reproduzir. [1] PEREIRA, G.O. Fundo público e precarização do trabalho: as disputas em torno do orçamento bruto de pessoal. In: Mauriel, A.P.O.E.et al. Crise, ultraneoliberalismo e destruição de direitos. Uberlândia: Navegando, 2020[2] CARVALHO, S.S. Qualificando o debate sobre os diferenciais de remuneração entre os servidores públicos e privados no Brasil. Cadernos da Reforma Administrativa. Brasília: 2020