Resumen:
No âmbito do Serviço Social no Brasil, o debate étnico-racial ganhou maior visibilidade e centralidade na formação profissional quando a gestão
Tecendo na luta a manhã desejada, do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) – 2014/2017, publicou na série de cadernos Assistente Social no combate ao preconceito, o tema Racismo (2016); e na gestão
Quem é de luta resiste - 2016/2018 da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social foi elaborado Subsídios para o Debate sobre a Questão Étnico-racial na Formação em Serviço Social (ABEPSS, 2018). Ambos documentos-marco expressam, ainda que tardiamente, a incorporação na profissão do debate da racialização no contexto da formação e do trabalho das Assistentes Sociais. Corolário deste tema, é a questão da branquitude, entendida como os impactos positivos da herança escravocrata para as pessoas brancas, no que Bento (2022) denomina “pacto narcísico”. Por que empreender estudos e reflexões teórico-metodológicas sobre esta temática é fundamental para a profissão de Serviço Social no Brasil, mas também para o
Trabajo Social dos demais países latino-americano e caribenho? Fomos um território colonizado. Neste processo, “o modo imaginário como posições de inferioridade para o aprisionamento do outro foram construídas” (BENTO, 2022, p.27-28), em indissociável relação com a expansão capitalista, conjugando os alicerces ideológicos, em que a branquitude é uma das expressões, que conforma a desigualdade de classe e social em nosso continente, marcando as
múltiplas expressões da questão social, objeto de nosso trabalho. Ao compreender a experiência vivida por negros e negras da diáspora nas Américas, para além do caráter geográfico, territorial, linguístico e ideológico, Gonzalez (2020) cunha a categoria político-cultural de “amefricanidade”, que incorpora também o processo histórico e cultural. Se valendo desse conceito, e como sujeita do próprio discurso, a autora aprofunda o debate trazendo luz a dupla discriminação sofrida pelas mulheres não-brancas da região: as amefricanas e as ameríndias, que leva em conta não apenas sua condição biológica-racial, mas também a condição sexual, que as tornam ainda mais oprimidas na sociedade capitalista patriarcal-racista dependente. Essas mulheres, segundo Gonzalez (2020, p. 140), estão “[...] subordinadas a uma latinidade que legitima sua inferioridade”, e dada sua posição social, são elas que sofrem mais brutalmente os efeitos da crise do capital.Neste debate, direitos sociais, ações afirmativas, campos de atenção, estudo e intervenção das assistentes sociais são atravessados por preconceitos, entre eles o racismo e o machismo. Ambos expressam as relações conservadoras, de dominação e exploração da sociabilidade burguesa, em que o branco é colocado como universal, com destaque o homem, e o patriarcalismo. É notório ressaltarmos o aumento de Trabalhos de Conclusão de Curso – TCCs, dissertações e teses produzidas acerca da temática étnico-racial, sobretudo nas últimas duas décadas, impactando consideravelmente no número de publicações em revistas acadêmicas da categoria. Muitas pesquisas foram e estão sendo desenvolvidas na área de Serviço Social, várias delas, inclusive, problematizam a naturalização de uma formação acadêmica que reproduz a supremacia branca, capitalista, patriarcal e hetereossexista como modelo, que apaga a contribuição dos povos africanos e indígenas na formação social latino-americana. Souza (2020) aponta que a análise de nossa realidade, marcada pelos processos de invasão colonial, escravismo e a contínua dependência sob o jugo imperialista, precisa entender que racismo não é apenas um fenômeno a ser explicado e combatido. Dessa forma, é necessário compreendê-lo no campo das elaborações teóricas, no desvelamento da realidade, como uma categoria teórica explicativa, síntese de processos complexos e determinantes da vida social. Nesta direção, vem se consolidando na produção de conhecimento na área do Serviço Social, o entendimento do racismo não apenas como fenômeno a ser enfrentado, mas, sobretudo, como estruturante do modo de produção capitalista. Lélia Gonzalez (2020), considera que o racismo assume táticas distintas, e diferente do “racismo aberto”, expresso na segregação racial estadunidense, o que há presente na América Latina é um racismo disfarçado, que a autora classifica como “racismo por denegação”, onde prevalecem as teorias da miscigenação e o mito da “democracia racial”. A partir de suas sociedades racialmente estratificadas, a América Latina garante a superioridade branca enquanto grupo dominante, mantendo os negros e os povos originários na condição de subalternos. No âmbito da formação e exercício profissional das(os) assistentes sociais, essa é uma compreensão que se faz fundamental, pois permite entender o racismo como uma determinação fundamental da “questão social”, e não apenas uma expressão dela. Entretanto, é notório observar que, se o racismo molda a totalidade das relações sociais, a profissão não está, portanto, fora do seu alcance. Isso se expressa de diversas maneiras, uma delas é o próprio processo de formação profissional (SOUZA, 2020). Este trabalho tem como objetivo refletir sobre o debate étnico-racial realizado pelo Serviço Social no Brasil, trazendo para o centro a questão do privilégio da branquitude. Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre a temática a fim de analisar como o privilégio da branquitude comparece nestas produções e em que medida ele atravessa a atuação do/da assistente social, impactando o acesso aos direitos sociais da população atendida pela profissão. Acreditamos que o debate está posto e cabe às(aos) profissionais se engajarem na luta contra todas as formas de exploração/ opressão, caminho indispensável rumo à efetivação do projeto ético-político profissional do Serviço Social, explicitado no Código de Ética de 1993, que propõe a defesa intransigente dos direitos humanos, o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito e a não discriminação como princípios éticos fundamentais (EURICO, 2018).