Resumen:
No Brasil, ao final da década de 1970/1980, com as reivindicações e lutas políticas que começaram a surgir, tal como a crise social e econômica que afetou o país a época, a ditadura civil-militar vivenciada no Brasil começou a ruir. Nesse processo, congregou-se diversos atores e sujeitos sociais na luta pela redemocratização e na construção de uma nova Constituição, aprovada em 1988. A Carta Magna de 1988, ganhou o nome de “Constituição cidadã”, por garantir direitos sociais, organizando a proteção social brasileira a partir do tripé da Seguridade Social: saúde, assistência social e previdência (BRASIL,2016). Construiu-se assim, a partir da Constituição e da legislação infraconstitucional (BRASIL, 2016; 1990), o Sistema Único de Saúde (SUS), ganhando relevância pelo seu caráter universal no âmbito das políticas sociais, o qual intenta garantir uma ampla gama de serviços, ações, programas e projetos que promovam, previnam e deem assistência ao processo saúde-doença da população brasileira. Muito embora ainda permaneçam diversos desafios, que muito se colocam frente a falta de financiamento adequado para as ações do sistema de saúde, assim como a priorização da mercantilização da saúde frente a saúde pública, gratuita e estatal, o SUS avançou enormemente, se tornando uma das maiores políticas sociais do Brasil.A construção do SUS desde a década de 1990 vêm sendo atravancada pelo espraiamento da ideologia neoliberal, os impactos da adoção do modelo de gestão e organização das políticas sociais através do neoliberalismo foi um forte impeditivo do seu desenvolvimento orgânico e da sua materialização como prevista em lei. Assim, as privatizações nos serviços vêm ocorrendo através de contratos de gestão para operacionalizar a política de saúde, bem como o sucateamento, empurrando a busca da população por serviços de saúde no mercado privado. Vale indicar que a lógica privada da saúde focaliza em uma dimensão biomédica e patológica, desconsiderando, por vezes, a centralidade da dimensão social. É uma lógica curativista que enfoca na doença e na priorização da assistência – médica – direta à saúde, com reduzidas estratégias de promoção da saúde e de construção de uma política pública mais ampla que se articule com outras dimensões da vida dos sujeitos. O processo saúde-doença vem sendo estudado e refletido durante a história de diversas maneiras, a partir de diversos sentidos e narrativas (ALMEIDA-FILHO, 2011). Esse processo histórico não é circunscrito a partir de uma linearidade, contudo, a questão biológica/patológica, com enfoque na doença, deu a métrica nos estudos sobre saúde, indicando a partir de uma ideia de enfermidade, do “corpo doente”.Os estudos contemporâneos aprofundaram a relação do processo saúde-doença com a dimensão social, ou seja, estruturas e relações de poder conformadas historicamente afetam as formas de viver e existir, bem como o acesso e a qualidade da saúde-doença dos indivíduos (BARATA,2009; LAURELL,1981; PAIM, 2009).No Brasil, um marco para adoção da compreensão ampliada do processo saúde-doença, agregando a dimensão social, foi o Movimento da Reforma Sanitária e a construção e institucionalização do SUS, assim, o reconhecimento se deu perante a lei (BRASIL, 1990). O SUS, em sua forma institucional reconhece que as condições de vida e existência, assim como o meio ambiente, interferem na saúde individual e coletiva.O processo saúde-doença, enquanto processo social, é inserido na dinâmica das relações sociais, dentro do modo de produção vigente e de dinâmicas culturais, regionais e locais das sociedades. A determinação social do processo saúde doença é central para compreender como as desigualdades se expressam, conformando os determinantes sociais a partir de questões econômicas, sociais, políticas e culturais. Nas últimas décadas, o debate sobre a interseccionalidade se aprofundou, buscando compreender as relações de poder que configuram as relações de desiaguldade e opressão/exploração de diferentes maneiras, a partir de suas intersecções. Nesse processo, diversos marcadores sociais da diferença podem ser acionados – aqui, a análise se dá sobre as categorias de classe, gênero e raça, contudo, podemos adicionar a dimensão da territorialidade, da idade e da capacidade – para compreender de maneira mais aprofundada o processo saúde-doença individual e coletivo e realizar intervenções que contribuam para ações ampliadas em saúde. A interseccionalidade se mostra como uma ferramenta analítica capaz de indicar que as relações de poder e as desigualdades em diversos níveis não estão separadas, mas andam interseccionadas e mediadas por diversas dimensões da vida social. Nesse sentido, múltiplos sentidos são encontrados para o processo saúde-doença da coletividade, indicando que a população brasileira não é homogênea e não tem acesso as mesmas condições, tal e qual o adoecimento recai de maneiras diferenciadas para determinadas partes a população. Assim, olhar para a política de saúde, como também para a política social, a partir de um olhar interseccional, é compreender como a cidadania e os direitos sociais são construções desiguais para os sujeitos sociais marcados por classe social, gênero/sexo e raça/cor. As experiências se interseccionam em diversos pontos, mas mostram que a vulnerabilidade não é a mesma para todos, mas sim mediada por categorias analíticas e marcadores sociais da diferença. O estudo pretende indicar uma abordagem que aprofunde a investigação da dimensão social da saúde, considerando os determinantes sociais da saúde, a partir da ferramenta analítica da interseccionalidade. Esse movimento parte de análises estruturais da formação social e histórica brasileira, a partir das dimensões de colonialidade, do patriarcado e do racismo, articulando com a lógica das políticas sociais no atual momento neoliberal. A política de saúde no Brasil, organizada através do SUS, demostra avanços no reconhecimento das desigualdades que afetam a vida dos sujeitos sociais de diferentes maneiras, através dos marcadores sociais da diferença, contudo o avanço do neoliberalismo e a priorização de um modelo de política de saúde calcado nos princípios do mercado, com enfoque estrito na biologia/patologia, aprofunda a medicalização da saúde/doença, tal e qual, inviabiliza aproximações que construam direções que adotem, efetivamente, abordagens que respondam as desigualdades e iniquidades em saúde considerando as dimensões interseccionais de classe, gênero e raça.