Resumen:
Analisando o contexto da economia política internacional a partir da década de 1980, Coelho (2012) afirma que a relação estadunidense com os países periféricos e semiperiféricos latinoamericanos foi de ordenação a um ajustamento estrutural, sendo o ideário neoliberal a proposta a ser seguida. O neoliberalismo é considerado por Harvey (2014) uma teoria de práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser atingido através da realização das capacidades empreendedoras individuais, garantidas por direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado nessa concepção seria de proporcionar e preservar uma estrutura institucional para o desenvolvimento dessas práticas, garantindo esses direitos e o funcionamento apropriado do mercado, ainda que com limitações. Isto porque, segundo a teoria, o Estado possivelmente não possui informações suficientes para entender devidamente os sinais do mercado (preços), justificando o ideário de proteção mínima. O bem-estar social é maximizado se o alcance e a frequência das transações do mercado são maximizados, enquadrando todas as ações humanas no domínio do mercado. Neste sentido, Dardot & Laval (2016) consideram o neoliberalismo não como uma doutrina mais ou menos heteróclita, mas como uma
racionalidade governamental. Para os autores, ele é “precisamente o desenvolvimento da lógica do mercado como lógica normativa generalizada, desde o Estado até o mais íntimo da subjetividade” (DARDOT & LAVAL, 2016, p. 34). Isto porque a racionalidade neoliberal está profundamente arraigada nas práticas governamentais, nas políticas institucionais, nos estilos gerenciais. A economia de mercado que vai definir todas as ações governamentais, tornando-se “necessário governar para o mercado, em vez de governar por causa do mercado” (Foucault, 2008, p. 165).A instituição desse projeto na arena internacional não ocorreu de forma natural e dispersa; foi necessária uma organização composta pelas instituições dominantes na conjuntura do pós-guerra. Para a sustentação dessa nova ordem foram criadas algumas instituições, como o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD, reunidas em uma organização chamada Grupo Banco Mundial – GBM.Em síntese, o Banco Mundial constituiu-se como um complexo de entidades com ações voltadas ao âmbito econômico, social, intelectual e ideológico (Fontes, 2010), consolidando-se como uma agência internacional de recomendações e determinações. Criado e altamente influenciado pelas instituições estadunidenses, o Banco se sustenta sobre dois aspectos: a intermediação financeira e a intermediação simbólica (Coelho, 2012), pois possui “a condição singular de emprestador, formulador de políticas, ator social e produtor e/ou veiculador de ideias em matéria de desenvolvimento capitalista, sobre o que fazer, como fazer, quem deve fazer e para quem fazer” (PEREIRA, 2010).De lá para cá, o Banco Mundial tem produzido uma série de relatórios e documentos para os países se adequarem ao mercado financeiro global, especialmente para aqueles considerados com uma economia dependente e periférica. O Brasil não foge do foco: é possível ter acesso a uma série de relatórios disponibilizados publicamente no
site do Banco Mundial que envolvem temas referentes à economia, políticas públicas de saneamento, educação, assistência social, etc. Nos últimos anos, a palavra de ordem colocada ao Brasil foi o estabelecimento de uma
agenda da produtividade. E o que isso significa? Segundo o relatório, o Brasil precisa se adaptar a uma série de medidas “para que o país aumente a renda de forma duradoura e ofereça empregos melhores para os seus cidadãos” (BANCO MUNDIAL, 2018b, p.7).O crescimento da renda e do emprego dos brasileiros é colocado ao mesmo tempo como uma justificativa e preocupação de uma das principais instituições do capitalismo mundial. Ainda que em seu seio os relatórios tratem de uma série de precarizações e flexibilizações aos trabalhadores para o
alcance do desenvolvimento, o Banco Mundial insiste na premissa de que essas medidas levarão o Brasil a uma
prosperidade compartilhada. Isso significa que, seguindo os parâmetros orientados, o país poderá vivenciar uma redução da pobreza e aumentar a mobilidade social entre as “classes” através do maior crescimento da produtividade. Em outras palavras, a prosperidade compartilhada é traduzida como a
inclusão dos mais pobres, já que teriam mais oportunidades de emprego pela política econômica adotada. Contudo, para que isso seja alcançado, é necessário também cortes de direitos sociais, trabalhistas ou no campo da seguridade social. Seria a
agenda da produtividade o caminho para alcançar uma maior
inclusão social? Seria uma política econômica do projeto neoliberal capaz de proporcionar uma “sociedade mais equitativa”?Para tentar responder, ou no mínimo, refletir sobre essas questões, o material analisado é composto de dois relatórios no Banco Mundial de 2018, chamados
Competências e empregos: uma agenda para a juventude: Síntese de constatações, conclusões e recomendações de políticas e o documento
Emprego e crescimento: a agenda da produtividade. A pesquisa a ser realizada tem natureza qualitativa e como procedimento técnico foi executada uma análise documental. A escolha por estes relatórios é justificada por serem os mais recentes que tratam da temática e pela ausência de estudo na perspectiva aqui apresentada. Para uma abordagem reflexiva e propositiva sobre o assunto, foram utilizadas duas teorias críticas como método histórico: a analítica foucaultiana e o materialismo histórico-dialético são a mola-mestra no desvelamento das propostas neoliberais. A aproximação de Marx e Foucault nessa análise tem como pretensão uma leitura do real e as relações de poder que o permeiam, seja na constituição do sujeito e em uma nova organização da sociedade. O objetivo deste artigo consiste em discorrer sobre a racionalidade neoliberal presente no discurso da “agenda da produtividade”, que promete ao Brasil maior competitividade para lidar com o mercado global e aumento da taxa de lucro entre as empresas, além de uma melhoria dos índices de desemprego entre os trabalhadores. O alcance dessas metas levaria a uma
prosperidade compartilhada, em que todas as classes (nas palavras pretensiosas,
grupos econômicos) se beneficiaram desse processo, e aos que não se adaptassem restaria as políticas compensatórias. Estaria uma das principais instituições político-econômicas do capital mundial preocupadas com a
prosperidade da população brasileira?