Resumen:
Na atualidade, as discussões sobre as ações afirmativas estão presentes na sociedade de forma geral, porém, nem sempre foi assim. As discussões - não apenas das ações afirmativas mais qualquer assunto que versasse sobre a população negra - estavam mais restritas aos grupos e pessoas que tratavam mais diretamente da questão racial no país. Sendo assim, esse trabalho terá como objetivo contextualizar o início das ações afirmativas no Brasil, a partir de uma pesquisa bibliográfica com referências contemporâneas e históricas. Podemos realizar um breve histórico de iniciativas que traziam para o plano social a denúncia da desigualdade racial presente no Brasil. A Frente Negra Brasileira (FNB), criada em 1931, é considerada um dos primeiros grupos de negros organizados politicamente, chegado a ser um partido político que logo foi extinto pelo Estado Novo. Além dessa frente, podemos citar a partir da década de 1940: a criação da Orquestra Afro-brasileira; o Teatro Popular Brasileiro; a União dos Homens de Cor; o Teatro Experimental do Negro, entre outras, que sofreram desmobilização a partir da década de 1960 (ALBERTI; PEREIRA, 2006). Seguindo a linha apresentada pelos autores, já na década de 1970, com o aparecimento de várias entidades em diversos estados, configurou-se o que conhecemos como Movimento Negro Unificado (MNU). Esse movimento tem como principal bandeira evidenciar a existência do racismo na sociedade brasileira e desenvolver uma consciência ou identidade negra. Dessa forma, muitas reivindicações surgiram no plano nacional e eventos, como em 1988, quando protestos contra a comemoração do centenário da “falsa” abolição e em 1995 a Marcha Zumbi dos Palmares reuniu, em Brasília, centenas de pessoas que marchavam contra o racismo. Além da criação da Fundação Palmares e a inclusão na Constituição Federal do crime de racismo como inafiançável e a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescente de quilombos. Ainda na década de 1990, dois projetos chamaram atenção no país, um de autoria da então senadora Benedita da Silva e o outro do senador Abdias do Nascimento. Ambos os projetos tratavam de cotas mínimas ou reservar de vagas para negros e negras tanto na educação, quanto no mercado de trabalho (público e privado). Os projetos não passaram nas casas legislativas, mas suscitaram o debate para o movimento negro. Alberti e Pereira (2006) em pesquisa realizada com diversos membros do movimento negro para contextualização do debate sobre as cotas, identificaram que o tema tornou-se bandeira para os mesmos a partir dos últimos anos da década de 1990, quando iniciaram-se os preparativos para participação na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em 2001 na cidade de Durban, África do Sul. É quase um consenso entre os estudiosos que foi a partir dessa Conferência que iniciou-se um debate nacional sobre a questão racial e ações afirmativas, mesmo que inicialmente ligada a reserva de vagas para negros nas universidades públicas. A política de cotas, como ficou conhecida, foi o assunto mais divulgado do documento resultante da conferência, mesmo que estivesse expressa em apenas uma linha. A mídia fez eclodir o tema e assim começou o debate na sociedade. Nesse trabalho, as “
ações afirmativas são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação, atual ou histórica, sofrida por algum grupo de pessoas” (BERNADINO, 2002, pág. 256). É interessante esse conceito em dois pontos, primeiro, chama atenção para o momento – atual ou histórico – e segundo para quem se direciona – algum grupo de pessoas. Os deficientes físicos, por exemplo, são alvos de ações afirmativas com majoritário apoio da sociedade. Contudo, quando tratamos das ações revertidas para a população negra, o que se percebe é um grande tensionamento, visto que, o mito da democracia racial ainda é arraigado no contexto social. Segundo esse mito, as relações raciais no Brasil seriam harmoniosas, haja vista a celebração da miscigenação como símbolo da identidade nacional e que vivíamos em uma sociedade sem diferença entre as pessoas, quando analisamos sua condição racial, acrescentando a figura do pardo, pessoa que descende da mistura entre as raças. Dessa forma, Alberti e Pereira (2006) afirmam que é contra essa ideia difusa de "democracia racial" que a bandeira das cotas se dirige, pois ela implica necessariamente um reconhecimento das diferenças e a colocação da questão "quem é negro no Brasil?". Tudo isso torna-se importante para refutar algumas ideologias formuladas no país que persistem até hoje A primeira é de que com a miscigenação nós democratizamos a sociedade brasileira, criando aqui a maior democracia racial do mundo; a segunda de que se os negros e demais segmentos não-brancos estão na atual posição econômica, social e cultural a culpa é exclusivamente deles que não souberam aproveitar o grande leque de oportunidades que essa sociedade lhes deu (MOURA, 1988, pág. 46).Isso também é motivado porque muitos justificam que não tivemos um regime político de
apartheid como na África do Sul ou as conhecidas leis “Jim Crow” nos Estados Unidos. Mas o ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, José Roberto Barroso, em seu voto pela constitucionalidade das cotas pontua que Nós não precisamos disso, porque aqui o racismo era tão estruturalmente arraigado que isso já acontecia naturalmente, independente de lei, como consequência da marginalização e do próprio sentimento de inferioridade que isso criava. Nós nos acostumamos com uma sociedade em que os negros eram tratados de uma maneira estratificada, hierarquicamente inferiores nas atividades que desempenhavam. Assim, acostumamo-nos que negros eram porteiros, faxineiros, pedreiros, operários; negras eram empregadas domésticas. Alguns chegavam a jogador de futebol (BRASIL, 2017, pág. 20)Voltando ao debate das cotas, após a Conferência de Durban acontece um processo de institucionalização e de transformação das reivindicações do movimento em políticas públicas. Se antes as cotas geravam mais dúvidas do que certezas dentro do movimento negro, percebeu-se que as mesmas não iriam acabar com o racismo no Brasil, mas as “
ações de resistências só são possíveis se há crítica da realidade e, consequentemente, ampliação da consciência e necessidade de vislumbrar novos horizontes e superar limites que impediam realização plena de sua humanidade.” (ALMEIDA, 2009, pág. 820).