Resumen:
A crise capitalista é estrutural e atinge o próprio capital e as suas frações da burguesia, que disputam entre si a própria sobrevivência. Além disso, a pandemia Covid-19 desvelou o que há de mais desumano e explorador, bem como as contradições que esse sistema gera e reproduz, como o ataque a diversos grupos, como as populações periféricas, mulheres, negros, indígenas, lgbtqi+, dentre outros, que enfrentam diversos tipos de violência. O texto abordará a articulação entre o ensino, a investigação e a extensão universitária como forma de reflexão e a atuação condizente com a complexa realidade societária por meio da análise dos projetos de extensão e de pesquisa “O ser social e as dimensões do exercício profissional”, alocados na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. O projeto de extensão aborda o frequente assédio às mulheres estudantes, que sofrem inúmeras consequências, em especial a dificuldade de permanecer na Universidade por terem filhos, a hostilidade de alguns professores e da própria Universidade que não oferece condições e o direito à creche universitária – um dos dez eixos da política de assistência estudantil que não foi ainda implementada e tem sido objeto de disputa para a sua efetivação. A realização de rodas de conversas com debates e convidadas externas de movimentos sociais, partidos políticos e trabalhadores em geral permitiu o aprofundamento das questões e a ampliação de aliados para a construção de projetos a serem viabilizados de forma coletiva. Entretanto, são processos de médio e longo prazo que exigem ações como os “Ocupinhas” (oficinas itinerantes com crianças filhas de trabalhadores e estudantes) que reuniu elementos da realidade – as próprias crianças que chegam à Universidade com suas mães, muitas vezes ignoradas – e também elementos lúdicos, ao realizarem diversas atividades como contação de histórias, pintura, jogos e brincadeiras, despertando quem passa pelos corredores e alertando acerca dessa demanda. Foram construídas “brinquedotecas itinerantes” com a participação das crianças, que customizaram caixotes de feira, colorindo-os e disponibilizando-os nos andares dos prédios, preenchendo-os com livros, lápis de cor, brinquedos, folhas e cartazes para que outras crianças pudessem levar os materiais para as salas onde suas mães assistiam às aulas. Esse apoio temporário foi a forma encontrada para que a ausência de uma creche (ou outro espaço) seja considerada, funcionando como um alerta sobre a necessidade de uma ação mais efetiva. Temos, portanto, como ponto de partida atividades que nos desafiam e nos exigem uma renovação do ponto de vista de um compromisso ético e político, e que envolvem inúmeras escolhas, bem como fundamentação teórica para a distinção das diversas retóricas e interesses presentes no âmbito da realidade, e para o desvelamento da gênese e das particularidades da “questão social”. Nessa perspectiva, temos o desafio da superação de relações históricas de superexploração da força de trabalho, que caracterizam o Brasil como um país periférico e dependente inserido na divisão internacional do trabalho, assim como toda a América Latina, por garantirem a reprodução de sua dependência e subordinação por meio do desenvolvimento desigual e combinado entre centro e periferia, conforme afirma Ruy Mauro Marini. Além do desafio representado pelo racismo, mecanismo de dominação no período colonial, mantenedor dos privilégios dos brancos pelo regime escravista, que teve sua continuidade como dominação de classe (MOURA, 1994), conservando a divisão racial em uma sociedade de classes. E, aliado ao patriarcado como estruturante dessas relações, temos o desafio do autoritarismo por meio de relações de abuso de poder (FERNANDES, 2008), caracterizando um conjunto de análises imprescindíveis que permite romper com estudos descritivos, reducionistas, conservadores, a-históricos e acríticos, priorizando reflexões que abrangem as contradições dos fenômenos e a dinâmica da realidade em permanente movimento. O debate das ações no âmbito do ensino, pesquisa e extensão universitária, tripé que caracteriza a Universidade pública, gratuita, laica e socialmente referenciada na classe trabalhadora é fundamental para garantir a perspectiva da totalidade social, considerando as diversas e complexas determinações de um fenômeno, sem isolar qualquer dimensão, mas consolidar análises que busquem a raiz das questões, para além da superficialidade, do foco nas consequências e da incidência paliativa. Combater o falseamento da realidade e a fragmentação do conhecimento por meio das categorias da Crítica da Economia Política, aliada a superação da consciência reificada, da preponderância do irracionalismo e da violência, expressões da lógica instrumental positivista que afirma a lógica do capital (LUKÁCS, 1959). Ao visibilizarem lutas sociais vinculadas ao enfrentamento das manifestações da “questão social”, os projetos de extensão e de pesquisa demonstram as implicações entre o trabalho, as teorias e ideologias que fundamentam a vigência da ordem estabelecida e as resistências no âmbito da criação humana, da ontologia do ser social (LUKÁCS, 2012). Resistir tem sido uma forma de ação contemporânea, porém insuficiente, uma vez que a luta contra o desmonte dos direitos sociais é apenas uma das ações, simultânea à organização e à articulação necessárias para a construção coletiva de um projeto societário que alie e se vincule à realidade da situação da classe trabalhadora, ou seja, de lutas coletivas de superação dessa ordem. As experiências e práticas populares coletivas revelam contradições cotidianas que são transpassadas por dimensões conflitivas e uma consciência reificada, apesar de todo esforço ideológico em ocultá-las, para sustentar laços baseados no desempenho individual e meritocrático. A diversidade da composição social e os desafios que temos pela frente, diante da agudização da luta de classes no mundo, implicam o respeito à trajetória da classe trabalhadora que historicamente vem lutando e defendendo a ampliação dos direitos, as condições dignas de vida e a superação dessa ordem. Todavia, o processo de gestão da pobreza e dos conflitos nos países da América Latina tem implicado a efetivação de políticas e parcerias que são limitadas em seu alcance, sobretudo, porque a questão social em sua variada e complexa manifestação nos desafia e demanda uma renovação do ponto de vista de um compromisso ético, político e de ruptura radical com as formas políticas e institucionais que garantem a atual ordem de dominação.