Resumen:
O trabalho traz uma análise das famílias brasileiras, suas contradições e sua construção sócio-histórica, tendo por base as relações sociais no modo de produção capitalista (ENGELS, 2012), abordando o papel do Estado na proteção da família, trazendo elementos de nossa construção familiar, principalmente através dos marcadores de raça/etnia e as relações de gênero. Assim, analisa-se, por meio do método histórico dialético o processo sócio-histórico da construção das famílias, trazendo, ao mesmo tempo, a dialética dos dias atuais; traçando o paralelo entre o passado com o presente, de forma a refletir sobre ela, a partir da constituição social e como foi moldada nos últimos séculos. Isso posto, abordaremos as mudanças de paradigmas com enfoque no processo brasileiro, a fim de compreender a basilaridade da família para a estrutura social no país. Problematizando, ainda, os estigmas sociais e os séculos de descaso com relação aos direitos humanos e sociais de diversas famílias brasileiras.A família monogâmica/patriarcal foi o formato que estruturou as bases para uma sociedade voltada para a acumulação do capital. Segundo Marx (1983
apud ENGELS, 2012, p. 15) "[...] a família moderna contém, em germe, não apenas a escravidão como também a servidão, pois, desde o começo, está relacionada com os serviços da agricultura [...]. É também neste formato monogâmico/patriarcal que se lança as bases para a transição da família de assunto social público para o privado, algo que é percebido até os dias atuais. Dessa forma, a família torna-se unidade socializadora, ideológica, de produção e reprodução das forças de trabalho, seja este o trabalho assalariado, o trabalho informal ou trabalho doméstico, realizado majoritariamente pelas mulheres da família e um mecanismo de extrema importância para a produção e reprodução das relações sociais capitalistas.A historicidade brasileira constitui-se em meio a um processo de colonização e escravização. As famílias foram atravessadas por marcadores sociais e raciais, sendo que a moral religiosa fomentou todos os processos existentes até 1889, quando a Igreja Católica e o Estado se separaram. Este processo de colonização modifica o contexto existente de família dos povos originários, adequando a realidade para um modelo religioso, com viés católico. “As raízes dos povos originários foram rechaçadas e o processo de evangelização se alastra no novo mundo, conforme se expandiam as conquistas no território [...]” (NAKASONE; SILVA, 2021, p. 3). Ao se tratar da família negra, Miranda (2012), aponta que uma das fontes principais de análise no país pode ser observada a partir dos documentos religiosos. A Igreja Católica era fundamental no processo de consolidação do bloco familiar. Entretanto, em um contexto pós-República, o processo liberal não protegeu as famílias negras. Ainda que se tenha o avanço normativo na questão da liberdade, com moldes nos ideais liberais, essa liberdade foi excludente, englobando a questão dos regimes anteriores. O histórico escravocrata e as relações de produção presentes neste período apresentam-se como elementos decisivos nos papéis que as mulheres de uma ou de outra “casta” desempenhavam na sociedade, sendo o papel representado pela mulher negra de caráter extremamente corrosivo (SAFFIOTI, 1978). Desse modo, para analisar as famílias e as relações sociais brasileiras de raça, gênero, classe, entre outras, é necessária a compreensão das diferentes posições que determinados grupos ocuparam e ocupam na sociedade, ainda que entre estes haja algumas similaridades. Ou seja, “[...] é preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida” (DAVIS, 1997).A partir da CF/88, a família consagra-se como base da sociedade brasileira e objeto a ser protegida pelo Estado. Assim, alguns outros arranjos familiares para além da família nuclear, matrimonial e patriarcal passam a ser reconhecidos, como a união estável e família monoparental.Os princípios constitucionais do Direito de Família "civil-constitucional" trouxeram evoluções acerca da concepção de família pela jurisprudência devido ao seu caráter emancipatório, evidenciado pelos princípios e direitos fundamentais promulgados nesta, como o da dignidade da pessoa humana e a isonomia entre a igualdade de direito e deveres do homem e da mulher, sendo estes um avanço para os Direitos Humanos e para o processo de diminuição das desigualdades de gênero. A Constituição ainda reconhece outras estruturas para além da família nuclear monogâmica como grupo familiar, por exemplo, a família monoparental e a família extensa. Portanto, demonstra avanços no sentido de reconhecer o pluralismo familiar na sociedade brasileira. Ainda assim, as categorias reconhecidas como família, explicitamente pela CF/88, não abrangem a totalidade da pluralidade existente no país, e, consequentemente, excluem outros arranjos existentes do plano oficial. Desse modo, reafirma-se os conceitos de família que busquem compreender efetivamente a pluralidade brasileira nascida e forjada pelas relações sociais, respeitando a multiplicidade étnico-cultural do país. A definição dada por Soifer (1982, p. 22) de que as famílias seriam um “[...] núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos [...]”, apesar de mais abrangente, ainda aparenta limitar o grupo familiar à pessoas com laços consanguíneos; a da Política Nacional de Assistência Social (2009, p. 41), por outro lado, define “[...] família quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consangüíneos, afetivos e, ou, de solidariedade [...]” ampliando a constituição do que seria o ente familiar.Conforme o exposto, a estrutura familiar brasileira foi moldada em uma estrutura benéfica à produção e reprodução do sistema capitalista, que carrega inerentemente em si o racismo, o patriarcado e a exploração. Compreende-se que em todo este processo o Estado foi omisso e negligente com diversas famílias, produzindo um cenário de violação de direitos que se estende até os dias atuais, onde o Estado permanece ausente.