Resumen:
A prisão, símbolo do direito de punição do Estado, por ocasião de sua implantação no Brasil, serviu como alojamento de escravos e ex-escravos, como asilo para crianças de rua, como hospício ou casa para abrigar doentes mentais e, também como fortaleza para encarcerar inimigos políticos. É o monumento máximo da exclusão social, cercado por muros altíssimos ou isolado em ilhas e lugares inóspitos, onde se escondia, e ainda se esconde, uma realidade nada agradável e em boa parte desconhecida da população, como os maus tratos, a tortura, a promiscuidade e os vícios. O uso da violência sempre fez parte do contexto sociopolítico brasileiro, institucionalizando-se, desse modo, o uso de práticas repressivas de todos os tipos, desde o período colonial, em que o poder eclesiástico, atuando intimamente com o poder real, estabelecia os tipos de crime e de castigo, numa estrutura bipolar de produção de Leis. A Igreja e o Estado construíram interesses similares no exercício do poder, propiciando uma confluência nas formas como atuaram perante a sociedade e como manipularam juntos os conceitos e significantes de criminalidade. Esse processo ocorreu também na formação do Estado brasileiro, misturando-se razões ideológicas, interesses legítimos e escusos e o silêncio sobre atos que pudessem macular a imagem virtuosa do país em construção. Ao analisar a dinâmica da existência do preso e das prisões, constata-se que está diretamente relacionada à manutenção do poder do Estado sobre o “criminoso” que é visto como pessoa que coloca em risco as instituições legais ao infringir as regras estabelecidas para o convívio social, e deve receber um castigo previsto na Lei penal. Sendo assim, o sistema carcerário, à luz da história social, deve ser abordado sob o aspecto de instituição estruturada com base no poder de punição do Estado e reveladora do aparato de exclusão da sociedade. Foi em torno da ideia de corpo social que as “instituições totais” exerceram seus efeitos, interferindo no imaginário popular e colaborando para a construção da ideia de “classes perigosas” como símbolo de oposição ao bom cidadão. Um temor imaginário, absorvido pelo Código e difundido pela sociedade, estigmatizava os indivíduos rotulados de marginais. Eram eles os vadios, escravos, negros e estrangeiros. A Constituição brasileira de 1824, no entanto, já determinava que as prisões devessem ser seguras, limpas, arejadas os presos separados conforme a natureza do crime. A realidade, até os dias atuais, em relação ao cumprimento da pena por parte do detento, fica bem distante da proposta constitucional. Estudar essas instituições, é, portanto, uma tentativa de romper com os preconceitos históricos que estão constituídos de forma indelével no imaginário popular. A análise psicossocial das estratégias de dominação das camadas desprovidas de conhecimento e de educação deve estar presente na leitura do sistema carcerário. Dados estatísticos e estudos realizados até o momento revelam que as condições de encarceramento e o tratamento punitivo dispensado a essas pessoas se mantém como forma de exclusão e estigmatização das classes menos favorecidas socioeconomicamente e destituídas de direitos básicos e fundamentais. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo levantar, descrever e analisar os índices de criminalidade e de reincidência criminal, relacionando-os aos índices de escolarização e condições de inserção mercado de trabalho decente. Trata-se de um estudo exploratório e documental, por meio de consulta aos prontuários de 1.123 (mil cento e vinte e três) pessoas do gênero masculino, presas em um dos Centros de Detenção Provisória do Estado de São Paulo e dados estatísticos divulgados pelos órgãos gestores e administradores do Serviço Penitenciário deste mesmo Estado, no ano de 2022, a fim de estabelecer possíveis associações à criminalidade, à reincidência ou a primariedade criminal nos seguintes fatores: idade, número de delitos cometidos, escolaridade, constituição familiar e estado civil. Resultados já levantados corroboraram tendências de associação entre idade, escolaridade, números de delitos e reincidência criminal e revelam predomínio de pessoas entre 18 e 35 anos de idade, com pouca escolarização e precárias chances de inserção no mercado de trabalho. Pretende-se buscar subsídios que poderão contribuir para a prevenção da reincidência, com base em uma compreensão psicossocial do comportamento criminoso sob o enfoque da psicologia da educação, garantia de direitos básicos e fundamentais para o desenvolvimento integral das pessoas, individualização e acompanhamento da pena com promoção de saúde e diminuição das desigualdades sociais e possibilidade de acesso e permanência no mercado de trabalho formal e decente. Como pode constatar na população estudada, dentre o rol de classificação dos delitos cometidos, os culpados por homicídios correspondem a uma parte muito pequena da população que está aguardando julgamento, assim como os que cometeram crimes na esfera sexual, sendo, a maioria, inserida em crimes contra o patrimônio (roubo ou furto) e relacionados ao uso e abuso de entorpecentes. No Brasil psicólogas (os) e assistentes sociais vem trabalhando no sistema penitenciário desde a década de setenta, mas diretamente ligados à avaliação criminológica e aos exames de periculosidade. Em junho de 1984 foi instituída a Lei n.º 7.210 de Execução Penal (LEP) que ratificou a importância da Psicologia e dos profissionais psicologos neste campo, mas mantendo-se no papel de perito ou avaliador. Ainda que em 1.º de dezembro de 2003 fosse editada a Lei n.º 10.792/03, trazendo profundas mudanças, principalmente aquela relativa ao art. 112 que extingue a necessidade de realização dos “exames criminológicos”, mantém-se, inclusive por parte da equipe técnica, composta por psicólogas (os) e assistentes sociais, a prática avaliadora e muitas vezes punitiva, que dificulta ações de efetiva reintegração e contribuição para a superação das desigualdades sociais. Esse trabalho pretende, em função desses elementos, aumentar o conhecimento científico e critico sobre a população encarcerada, fornecendo subsídios para o planejamento de práticas psicoeducacionais de desenvolvimento e integração dessas pessoas e na desconstrução de estigmas, preconceitos, da patologização e de judicialização de comportamentos decorrentes das violências sociais a que estão submetidas grande parcela da população encarcerada.